
Cozida em fornalhas de calor extremo, a alquimia avançada da cerâmica relojoeira da Omega promete uma longevidade sem paralelo, sem desvanecimento, desgaste ou colusão – beleza natural imutável reforçada por bases científicas sólidas.
Texto de Nick Compton, Fotos de Ian Schemper e Tradução e adaptação por Marina Oliveira.
Comadur situa-se em Le Locle, o centro da indústria relojoeira suíça, localizado nas difíceis e imperdoáveis montanhas do Jura. Parte do Grupo Swatch, aloja-se numa caixa de vidro preta e térrea e dedica-se à ciência e desenvolvimento de materiais duros; muito duros, do género de dureza que apenas os diamantes e lasers industriais conseguem riscar, gravar ou golpear. E neste momento a Comadur centra-se na produção de cerâmica à escala industrial.
A cerâmica tem sido utilizada na relojoaria desde meados dos anos oitenta, uma utilização em que a Comadur e a Rado – outro membro do Grupo Swatch, do qual a Omega também faz parte – foram pioneiras. Nessa época, a Omega ficou na retaguarda e observou, esperando que o material – e aquilo que se podia fazer com ele – avançasse e oferecesse o potencial para fazer algo novo nos seus relógios.
Há seis anos, a Omega decidiu que estava pronta para a cerâmica e esta última pronta para a marca. A primeira utilização de cerâmica avançada nos produtos Omega aconteceu num pequeno triângulo numa peça de joalharia da colecção Seamaster Planet Ocean.
Hoje pode oferecer indicações na luneta que nunca se irão riscar, descolorar ou desvanecer; moldadas num material seis vezes mais duro do que o aço, perfeitamente adequado à promessa funcional dos seus relógios.
Este era um material que podia manter essa promessa, manter a sua vantagem, para sempre. Mas a Omega sabia que a cerâmica podia fazer mais, ser pressionada a fazer mais. E a Comadur sabia como e onde pressionar.
A cerâmica é tanto um processo como um material. Pode envolver muitos ingredientes diferentes e produzir diversos resultados. De facto, a definição de cerâmica é variada e pouco consensual. Contudo, há factores constantes. A produção de cerâmica requer sempre calor – muito calor – e desse calor emerge a cerâmica: dura, pura e elástica. Cristalina na natureza, a cerâmica protege as suas fronteiras. Com ela, não há hipótese de colusão química ou infecção, oxidação ou desvanecimento. A cerâmica é inerte e impregnável.
Cerâmica industrial
Aqui o nosso interesse é em cerâmica avançada. Este é o tipo de cerâmica produzido utilizando toda a espécie de novos e complexos componentes e capaz de coisas extraordinárias. De facto, a cerâmica avançada é uma das áreas mais superalimentada no que diz respeito à inovação em materiais modernos.
A cerâmica avançada tem sido utilizada nas lâminas das turbinas de motores a jacto, nos cones dos narizes dos aviões, em azulejos aplicados no exterior de vaivéns espaciais (embora, ao inicio, não aplicados com cuidado suficiente) e está a ser usada na nova geração de veículos espaciais reutilizáveis.
A indústria automóvel utiliza esta cerâmica em tudo desde conversores catalíticos a velas, passando por discos de travão e sensores de airbag. Nos computadores, a cerâmica é utilizada em isolantes, resistores, supercondutores e condensadores. A bio cerâmica é usada na medicina dentária e na substituição de juntas.
A cerâmica magnética é utilizada em antenas, bobinas e motores eléctricos. A cerâmica avançada tem sido usada para produzir submergíveis muito leves e no revestimento da blindagem de veículos militares. É também cada vez mais utilizada na complexa microengenharia da relojoaria. A cerâmica avançada tem sido usada para substituir os rubis nalguns relógios e outros microcomponentes. De facto, têm sido produzidos movimentos inteiros utilizando cerâmica baseada no silício.
Contudo, nada disto é fácil (ou barato). Produzir cerâmica avançada, sobretudo com a precisão que a relojoaria mecânica de ponta requer, é um desafio único. Trabalhá-lha, e aliá-la a outros materiais de forma significativa, dá azo a um novo nível de complicações. A Comadur sabe tudo sobre essas complicações.
Desenvolveu muitas delas. O quarteirão da Comadur em Le Locle parece mais um laboratório de pesquisa e desenvolvimento e um atelier, do que uma instalação de produção. Aqui as peças em cerâmica são produzidas e talhadas em máquinas extremamente caras equipadas com brocas e fresas em diamante e aplainadoras. Existem lasers de grande potência, mas é um processo lento e literalmente amolador.
Grande parte desse processo desenvolve um (ou no máximo uma mão-cheia) componente (ou peças individuais) de cada vez, e requer uma equipa altamente especializada, por vezes com perícia manual, para manter as coisas a andar.
Tomemos como exemplo a inserção na luneta desenvolvida pela Omega, introduzida pela primeira vez num relógio de edição limitada há seis anos. Para criar a inserção, óxido de zircónio em pó é misturado com coberturas de plástico, água e um óxido metálico para adicionar cor (colorir a cerâmica é em si uma ciência complexa, que revelaremos mais à frente).
Nenhum destes materiais, neste ponto apelidados de “pós compactos”, são particularmente caros. A cerâmica avançada utilizada pela Omega é dispendiosa de produzir por causa do que acontece a seguir. E depois. E depois…
Este pó é aquecido para formar uma pasta e depois pressionado na forma da inserção do anel utilizando toneladas de pressão. Isto é chamado “corpo verde”. Nesta fase, mesmo com a presença das coberturas de plástico, o anel ainda é mole e frágil. A alquimia ainda não aconteceu.
A próxima fase no processo de produção é a remoção das coberturas provisórias. O anel adquiriu já as suas propriedades mecânicas finais utilizando um processo térmico e é duro (cerca de 1200 vickers). É também 30 por cento menor. Claro que o grau de dureza torna o que ainda está por fazer – e há muito por fazer – muito mais difícil. Talhar o material à forma e dimensões exactas com tolerância de produção apertada requer equipamento de diamante de ponta, lubrificado e arrefecido por lubrificantes a alta pressão. Este trabalho faz mossa nos diamantes, que têm de ser substituídos regularmente.
Polir as lunetas requer um know-how muito específico. Mesmo nesta altura, apenas metade do trabalho está feito. Uma luneta é inútil sem os seus numerais e escala, e a Omega e a Comadur tiveram que encontrar forma de os incluir e mantê-los no sítio.
Encontraram a resposta numa liga amorfa baseada em zircónio denominada Liquidmetal®. Esta liga tem dois aspectos positivos. Derrete a temperaturas relativamente baixas, mas quando arrefece é três vezes mais dura do que o aço.
Embora não seja uma cerâmica, é uma parceira perfeita. Claro que são necessárias cavidades para lá introduzir o Liquidmetal®, e anguladas para que o metal esteja efectivamente colocado no local quando arrefece. Para isto é necessário um laser especial com qualidade de raio muito alta. Um fino anel de Liquidmetal®, criado utilizando várias toneladas de pressão, é aquecido e depois pressionado na luneta, com o excesso sendo depois removido através de amolação. Mantém-se perfeitamente brilhante e permanente.
A Omega lançou esta luneta em 2009 no Seamaster Planet Ocean 600M Liquidmetal® Edição Limitada, mas desde então tem sido usada em vários relógios da linha Seamaster.
Moonwatch relançado
Não é de estranhar que, depois de ter realizado estas maravilhas com as lunetas, a Omega decidisse produzir uma caixa totalmente em cerâmica. E, naturalmente, que o quisesse fazer com o relógio mais icónico da empresa, o Speedmaster Professional.
Isto foi, contudo, sem dúvida um risco. Caixas de relógios inteiramente em cerâmica já tinham sido produzidas antes, então, o que é que a Omega iria fazer diferente? E faria realmente sentido “mexer” com um ícone; um relógio tão ligado ao desempenho, sem superficialidades, sem escândalos, minimalista ao estritamente necessário e determinado? Como se poderia encaixar a cerâmica na história do Moonwatch? De que forma faria sentido? Como pareceria correcto?
A Omega fez com que fizesse sentido ao alterar o material, mas não o design essencial. Claro que era uma proposição muito mais complexa do que o simples anel de uma luneta; requeria ainda mais horas de trabalho complexo e moroso, para não mencionar um conjunto de novas máquinas para o fazer. Mas o Moonwatch em cerâmica, mais uma vez produzido utilizando uma cerâmica baseada em óxido de zircónio, incluindo o fecho, botões, coroa e mostrador, estava em forma e deu vida ao Moonwatch que as pessoas conheciam.
Tendo descoberto como combinar cerâmica e Liquidmetal®, a Omega e a Comadur impuseram-se um novo desafio. O próximo truque seria combiná-lo com o ouro. O que fizeram em 2012 ao lançar o Seamaster que apresentava algo denominado CeragoldTM.
O ano passado, a Omega adicionou diamantes a esta mistura, engastando 12 diamantes baguette e um diamante, usando uma liga de platina 850 Liquidmetal® na luneta de cerâmica do Seamaster Planet Ocean 600M Platina.
Em 2013, foi lançado como o Dark Side of the Moon (O Lado Negro da Lua), e o novo relógio foi recebido com elogiosas criticas e uma procura considerável e expectante. Inicialmente, os planos passavam por produzi-lo numa edição limitada, mas a produção rapidamente subiu para a escala industrial.
O Dark Side of the Moon redefiniu o relógio de cerâmica. De repente era um material sério que oferecia, não só uma força e resistência ao risco incríveis, mas novas possibilidades estéticas.