Harrison, Newton, Galileu, Huyghens, Breguet… A questão das longitudes terá sido, segundo muitos historiadores da ciência, o problema tecnológico mais importante de todos os tempos, não somente pelo seu impacto económico como, também, pelos séculos que resistiu à solução. A solução estava na Relojoaria.

Qualquer local na Terra pode ser claramente identificado por duas coordenadas, que se cruzam: a latitude e a longitude. Desde cedo o problema da latitude foi resolvido, tanto em terra como no mar, ou pela medição da altura do Sol, ou pela medição da altura de outras estrelas ou planetas, à noite. No entanto, a questão da Longitude, mesmo em terra, demorou mais tempo a ser resolvida, devido à dificuldade de parâmetros fixos para a sua medição. Quanto ao achamento da Longitude no mar, a bordo de um qualquer navio, a questão revestiu-se de crucial importância a partir do momento em que a navegação deixou de se fazer com a costa à vista, por início do período da Expansão portuguesa, no início do século XV.

Duas aproximações, desde sempre, foram tentadas para a resolução deste problema da determinação da longitude no mar: a solução puramente astronómica, a solução astronómica com o auxílio da mecânica, mais propriamente recorrendo-se à arte de medir o tempo, a relojoaria.

O problema das longitudes ocupou durante séculos os saberes e as imaginações, sendo estudado intensamente como um problema exclusivamente astronómico entre 1600 e 1800. Os esforços que mobilizou levaram ao enorme desenvolvimento da Matemática no século XVIII e lançaram os fundamentos da ciência moderna. Neste sentido, a questão das longitudes terá sido, segundo muitos historiadores da ciência, o problema tecnológico mais importante de todos os tempos, não somente pelo seu impacto económico como, também, pelo tempo que resistiu à solução.

Na verdade, a questão da determinação da longitude no mar ganhou ao longo dos tempos uma tal aura de impossibilidade que se comparou este problema se apresentava tradicionalmente a par de outras questões míticas, como sendo a quadratura do círculo ou o moto continuo.

Com a urgência cada vez maior em se conseguir uma solução para o problema – a falta de uma medição exacta da longitude levava os navios a navegarem quase às cegas, julgando-se muitas vezes a milhas da costa quando estavam prestes a chocar com ela, como acontecia frequentemente – os monarcas europeus aceitavam nas suas cortes gente vinda de todas as paragens, sábios, astrónomos, matemáticos, mas também lunáticos, aventureiros, que se dispunham a resolver a questão.

Um exemplo: em Portugal, sabemos de um tal Felipe Guillén, boticário de Sevilha, que chegou a Lisboa em 1525 e se apresentou a D. João III, que o recebeu com grande expectativa. Dizia ele que resolveria a questão da determinação da longitude no mar através da variação da agulha na bússola. Descrito como “muito entendido e engenhoso, grande jogador de xadrez”, o espanhol chegou a receber dinheiro do monarca. Mas foi rapidamente desmascarado como charlatão, e preso, quando se preparava para fugir.

O escândalo foi tal, na época, que até Gil Vicente dedicou umas trovas ao atrevido, onde o pai do teatro português goza com a figura de quem prometia “tomar o sol pelo rabo em qualquer hora do dia”, mas que não fora mais do que boticário “hasta ver esta ciudad” (Lisboa).

Fernando Correia de Oliveira (Lisboa, 1954), é jornalista e investigador do Tempo. Licenciado em Direito, esteve 20 anos como quadro da Agência Noticiosa Portuguesa, saindo como Director-Adjunto de Informação para ser o primeiro correspondente da Lusa em Pequim, onde viveu entre 1988 e 1990. Ingressou no PÚBLICO, onde foi Editor de Sociedade e especialista em Política Internacional na zona da Ásia-Pacífico (China, Japão, Coreia) entre 1993 e 2002. Desde esse ano é jornalista freelance, especializado em Tempo e Relojoaria, uma das suas paixões de sempre. Editor-Chefe do Anuário Relógios & Canetas, nas suas edições em papel e online, mantém o blog Estação Cronográfica (o mais importante do seu género em língua portuguesa, com mais de 40 mil visitas mensais). Colabora com muitos outros títulos especializados da área da Relojoaria, em Portugal, Espanha, Brasil, México ou Coreia do Sul. Membro de várias organizações internacionais dedicadas ao estudo do Tempo e de vários júris estrangeiros envolvidos na escolha dos Relógios do Ano, é consultor do Governo Português na área do Património Relojoeiro. Tem um vasto conjunto de obras publicadas sobre a temática – nomeadamente História do Tempo em Portugal ou Dicionário de Relojoaria.