A história da BMW é uma montanha russa: subiu, desceu, subiu, caiu e levantou-se. Para sobreviver até “utensílios domésticos” fez. Pelo meio, deixa-nos algumas das máquinas mais maravilhosas de conduzir.

A BMW iniciou 2016 na liderança mundial do segmento premium. Dificilmente poderia pedir melhor entrada no ano em que celebra o centésimo aniversário. A marca vive um dos períodos áureos da sua história – tem passado incólume às recentes controvérsias do sector, tem contribuído fortemente para a inovação da indústria e o Série 7, o seu automóvel de topo, tem sido profusamente elogiado pela crítica especializada: “Um salão sobre rodas” chamam-lhe. Nem sempre foi assim. Ao longo destes 100 anos a BMW passou por muitas crises e numa, em particular, tudo poderia ter corrido muito mal.

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Esse “momento decisivo” ocorreu na Assembleia Geral de 9 de Dezembro de 1959. Nessa altura a BMW atravessava uma fase particularmente difícil, tendo esgotado os recursos financeiros e sem acesso a mais financiamento, a administração apresentava um relatório de contas particularmente desastroso. A marca estava num beco sem saída, ou melhor, a administração tinha uma saída, que implicava a venda da BMW à rival Mercedes. Na altura chamava-se Daimler Benz, mas isso é outra história. O certo é que sem a rivalidade entre estas duas marcas, o mundo automóvel seria certamente muito diferente hoje em dia.

Aquela não seria a primeira vez que o caminho das duas se cruzava. De facto, em 1916, em plena I Guerra Mundial, a força aérea alemã procurava desesperadamente motores mais eficientes para os seus aviões, que os levassem a voar mais alto e a subir mais rapidamente. A Rapp Moterenwerke, fundada três anos antes, era uma das principais fornecedoras, mas estava a revelar-se incapaz de produzir esses motores. Reconhecendo a situação, a Rapp contratou então um jovem engenheiro, Max Friz, que tinha um excelente esquema para criar novos motores. Friz largava então a Benz, onde trabalhava em Estugarda, e trocava-a pela Rapp, em Munique. O exército ficou tão impressionado pelos motores que encomendou 600 unidades. Nesse mesmo ano, a Rapp alterava o nome para “Bayerische Motoren Werke”. Durante anos pensou-se que o logo da BMW – desenhado pelo irmão de Carl Rapp – representava a vista das hélices a partir do cockpit de um avião, mas descobriu-se recentemente que o autor pretendia apenas representar as cores da bandeira bávara. A ligação foi um golpe de sorte.

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Com o fim da I Guerra Mundial, a Alemanha foi proibida pelo Tratado de Versalhes de produzir motores para aviões pelo que a jovem empresa teve de adaptar-se. E apontou baterias para a produção de motores para motociclos, uma das mais populares formas de transporte na altura. Em 1923, mais uma vez por impulso de Max Friz, a BMW apresentava também a R32, uma moto completa, e o primeiro veículo alguma vez comercializado pela marca. A BMW deixava assim de ser um mero fornecedor para se transformar num fabricante completo. A R32 era bastante avançada para a época, com inúmeras inovações aclamadas pela crítica, mas era também a moto mais cara do mercado pelo que o sucesso comercial ficou muito aquém dos elogios.

Seis anos depois chegava o primeiro automóvel, o BMW 3/15 PS, apresentado ao público numa competição, o Rali Alpino Internacional de 1929. Apesar do ter um ar bastante conservador, parecia quase um Rolls Royce em miniatura, o BMW venceu a primeira prova. E o mundo tomava conhecimento da nova marca. Em 1936 a BMW repetia a graça, desta vez com o 328, o seu primeiro modelo verdadeiramente desportivo. Foi apresentado em Nürburgring e (mais uma vez) venceu a prova inaugural. No caso apenas a primeira de muitas, onde se inclui também as famosas Mille Miglia.

Com a subida dos nazis ao poder, a Alemanha começou a reconstruir o poderio militar e a BMW voltava à linha da frente, até porque desde o início dos anos 20 que tinha regressado à produção de motores para aviação, embora nessa altura, exclusivamente civil. Durante a II Guerra Mundial foi uma das principais companhias ligadas ao esforço de guerra alemão. A BMW produzia motores para a Luftwaffe e a famosa moto com sidecar pelo que as suas fábricas foram naturalmente um alvo preferencial dos bombardeamentos aliados. Quando a guerra acabou, a capacidade de produção da BMW era diminuta, mas possuía ainda grandes reservas de alumínio e foi-lhe permitida, pelo alto comando aliado, produzir “utensílios domésticos”, ou seja, os tais tachos e panelas. Foi o que manteve a companhia à tona durante os quatro anos seguintes.

Mais uma vez o primeiro veículo produzido após uma guerra foi uma moto, a R 24, apresentada ainda nos anos 40. Na década seguinte a BMW apresentou mais dois automóveis, ambos objecto de culto hoje, mas que na altura não foram um sucesso assim tão grande. O mais bem-sucedido foi o Isetta, talvez o BMW mais estranho de todos, cujo design foi licenciado à companhia de frigoríficos italianos ISSO. Foi recebido com alguma desconfiança mas era pequeno e prático e barato e manteve a produção viva. O 507, apresentado no mesmo ano, estava no extremo oposto: sem dúvida um dos automóveis mais bonitos que a indústria alguma vez viu, porém os seus custos de produção foram mal calculados e o projecto foi cancelado ao fim de apenas 251 unidades produzidas. Hoje, o BMW 507 é um dos clássicos mais procurados em leilão, com preços a rondar os dois a três milhões de euros.

No final da década a marca estava “esgotada” e foi nesse estado que chegou ao famoso 9 de Dezembro de 1959, quando a administração propôs, “para salvar a empresa”, que fosse vendida à Mercedes. Na assembleia, a proposta da administração encontrou forte oposição sobretudo por parte dos pequenos accionistas e dos concessionários. A reunião demorou mais de dez horas e o representante de um grupo de concessionários, Frederich Mathern, consegui provar que as contas apresentadas tinham algumas falhas. O projecto de take over caiu por terra, mas a BMW ainda não estava salva…

Felizmente, entre os presentes na assembleia encontrava-se o industrial alemão Herbert Quandt, que detinha já um número considerável de acções da marca. Impressionado pela resiliência demonstrada decidiu, nesse momento, investir na empresa. Quase por sorte, a BMW descobria o parceiro que lhe faltava. Nos meses seguintes, Herbert Quandt desenvolveu o plano de reestruturação que acabou por salvar a marca da falência.

À reestruturação somaram-se uma série de modelos que se revelaram um enorme sucesso comercial, como o 700, o 1500 ou o 2000. Os anos 1960 foram os anos da retoma e os anos 1970 da consolidação. Nessa década, a BMW introduziu a nomenclatura de séries, primeiro com o Série 5 e depois com o Série 3, que hoje se desmultiplica numa gama bastante vasta. Criou também a divisão M, de Motorsports, com o superdesportivo M1, que depois utilizou para fornecer motores às séries normais, inaugurando o conceito de “sedan de alta performance”, que tanto sucesso tem tido. E já nos anos 90, iniciou uma série de aquisições que trouxeram a Mini, a Land Rover (entretanto vendida) e a Rolls Royce para o seu portfolio. Mais recentemente adquiriu também 100% do capital da Husqvarna, que entrou assim para a esfera da BMW Motorrad.

Ainda em 1972, a BMW apresentou um veículo totalmente eléctrico. O 1602 estava um pouco à frente do seu tempo, até porque a tecnologia de baterias estava longe de ser a desejada. Só esse kit pesava cerca de 400 quilos (e estragava-se rápido) mas o 1602 eléctrico era capaz de atingir os 100 quilómetros hora. Apresentado durante os jogos olímpicos de Munique, a cidade da BMW, foi o veículo oficial da competição esse ano. Na altura era pouco mais do que um sonho que ganhou forma muito recentemente, com a actual geração i, cujo modelo mais avançado, o i8, está também inspirado no M1 apresentado nessa mesma década. É nesta capacidade para pensar à frente e estabelecer objectivos que reside muita da força da BMW. Daí a BMW ter passado o ano do centenário a falar sobre a sua visão de mobilidade para o futuro. A pensar nos próximos 100 anos.

A área do Lifestyle tem muito poucos segredos para Bruno Lobo, jornalista com mais de 15 anos de experiência. Da moda aos automóveis, da relojoaria à tecnologia, da gastronomia à beleza. Porque “a vida é bem mais agradável com estes pequenos grandes prazeres”. GQ e Fora de Série são duas revistas onde o seu cunho se sentiu mais forte, mas já colaborou com várias revistas nacionais e internacionais, incluindo a Turbilhão, “com enorme prazer por poder contribuir para este projecto editorial”.