JOÃO LUÍS CARRILHO DA GRAÇA, ARQUITECTO RESPONSÁVEL PELO PROJECTO DO NOVO TERMINAL DE CRUZEIROS DE LISBOA E PELA INTERVENÇÃO NAS PORTAS DO MAR, ESTÁ A MUDAR A IMAGEM DE UMA ZONA HISTÓRICA DA CIDADE. E A SUA RELAÇÃO COM O RIO QUE LHE DÁ UMA ALMA DIFERENTE. CIENTE DO PASSADO DA CAPITAL, ESTÁ A DEFINIR-LHE O FUTURO.
Tal como a alta relojoaria, as cidades mudam. Porque ambas são estruturas arquitectónicas. Se os relógios são construções em miniaturas, as cidades são visíveis de muito longe. Relojoaria e arquitectura não dispensam a criatividade, a memória, o rigor e a funcionalidade.
Alguns arquitectos vão colocando a sua criatividade ao serviço do tempo das cidades. O que passou e o que está para vir. É o que sucede com João Luís Carrilho da Graça, vencedor de vários prémios a nível nacional e internacional, e que é o arquitecto responsável pelo projecto do novo Terminal de Cruzeiros de Lisboa e pela intervenção nas Portas do Mar, como prefere denominar o conhecido Campo das Cebolas. São duas obras cuja dimensão anunciam uma nova era numa zona histórica da capital portuguesa.

As cidades modernas são uma fusão: entre o seu passado e o seu possível futuro. E por isso estão atentas às suas memórias. Como por exemplo, o rio Tejo. Algo que não deixou de ser fulcral para Carrilho da Graça: “Este projecto tem como ponto de partida o concurso para o Terminal de Cruzeiros que foi lançado pela Câmara Municipal de Lisboa (CML) e pela Administração do Porto de Lisboa (APL) em 2010. A ideia basilar foi criar um diálogo entre o anfiteatro natural que se desenha nesta zona da cidade e o edifício. O projecto inclui a criação de um grande parque verde urbano, que não só permite ter áreas de estacionamento para autocarros, mas que serve também a cidade e pode ser fruído pelo público em geral. Outro dos pontos previstos no projecto é a integração da doca do Jardim do Tabaco, já existente no local. Havia já um sistema de fundações da doca que teria de ser aproveitado, pelo que a intervenção do edifício foi feita, fundamentalmente, dentro do espaço da doca. Aí, foi construído um tanque de marés, com ligação directa ao rio, que constitui também um sistema de segurança que impede cheias no caso da subida do nível das águas”. E acrescenta: “O edifício desfruta quer da relação com a cidade, quer da relação com o rio. Procura não se impor na paisagem, até para não cortar as vistas. É tão pequeno e simples quanto possível e funciona como uma espécie de aeroporto, com a zona de chegadas no piso inferior e a de partidas no piso superior”.
As memórias da cidade importam muito na acção de Carrilho da Graça e aqui não foram excepção. É neste contexto que Carrilho da Graça refere: “Há um quadro muito bonito que esteve exposto no Museu Nacional de Arte Antiga que nos dá uma ideia da azáfama desta zona da cidade noutros tempos. O Campo das Cebolas era uma zona de feiras antes do século XX. A sua localização e o porto que aí se situava ligava-o à navegação, ao rio Tejo. Vinham todos parar àquele porto e depois tinham a zona da feira com pequenas tascas. Era uma zona muito viva e muito importante na cidade”. Esteoutro projecto sob a sua alçada tem a ver com isto, e decorreu em paralelo com o do Terminal de Cruzeiros de Lisboa. Tratou-se da requalificação do Campo das Cebolas, ou Portas do Mar, como o arquitecto prefere chamar-lhe: “Na realidade, foi uma feliz coincidência os dois projectos desenvolverem-se em simultâneo. Tratam-se de projectos independentes, este último desenvolvido com a CML e, depois, com a EMEL. No entanto, o facto de se localizarem muito próximos um do outro, acabou por lhes dar uma leitura contínua.
O programa inicial do concurso para as Portas do Mar pedia um parque de estacionamento em altura e uma espécie de espaço museológico. O conceito do nosso projecto foi ‘virar’ a praça para a cidade e protegê-la do trânsito, criando um espaço amplo que pudesse ser desfrutado por toda a gente, mas que permitisse uma vivência completamente diferente da da Praça do Comércio”.

A ideia é trazer novas vivências para a cidade à beira do rio, para que seja possível haver uma confluência com ele. A vida intensíssima que pode ser dada a esta zona é algo que move Carrilho da Graça, e por isso o projecto das Portas do Mar terá um papel fundamental. No fundo, como arquitecto, diz que a boa arquitectura pode mudar a vida das pessoas: “Acho importante olhar para Lisboa não só enquanto cidade, mas como área metropolitana. Há zonas muito bonitas e com um enorme potencial à volta do estuário do Tejo que se forem bem coordenadas e organizadas, reforçavam a relação de Lisboa com toda a região e valorizam, individualmente, cada um destes locais”. Carrilho da Graça busca sempre a raiz das coisas. Ou seja, a memória dos locais onde intervém. Mas isso não impede de apostar na simplicidade da sua actuação. Fala disso com convicção: “Gosto de chegar a um sítio e imaginar que, depois da minha intervenção, os aspectos mais intensos e mais fortes que já lá existiam, mas podiam não estar tão legíveis, ficam mais evidentes. Isto é o tal processo de revelação do que já existe. E, em qualquer sítio, podemos encontrar maravilhas se as conseguirmos ver e podemos torná-las mais explícitas. Muitas vezes é muito mais forte o que lá está do que o que podemos acrescentar. Apenas temos de colocá-lo em evidência.”
CARRILHO DA GRAÇA
Licenciado pela Escola Superior de Belas Artes de Lisboa, o arquitecto e professor universitário, João Luís Carrilho da Graça tem no seu currículo obras de grande projecção e distinções tanto a nível nacional e internacional, como é o caso do edifício da Escola
Superior de Comunicação Social em Lisboa, que lhe valeu o Prémio Secil (o mais importante Prémio de Arquitectura em Portugal) ou o Pavilhão do Conhecimento dos Mares em Lisboa, distinguido com o Grande Prémio do Júri FAD. Em 2008, foi galardoado com o Prémio Pessoa.
Para além da sua extensa obra pública, Carrilho da Graça interessa-se, também, por projectos de escalas que vão da pequena intervenção efémera ao território, e com programas diversos, da habitação à cultura.