Numa época em que todos os sectores vivem tempos desafiantes e de readaptação, Chris Grainger-Herr, CEO da IWC, acredita que a IWC está preparada para enfrentar o que o futuro reserva. Em entrevista, o responsável pela marca de Schaffhausen fala sobre a evolução do mercado de luxo, a nova realidade digital e estratégias para desenvolver a experiência do consumidor.
Vivemos tempos extraordinários. Quais serão os efeitos a longo prazo da pandemia Covid-19 para a IWC e como estão a lidar com esta situação?
É terrivelmente difícil fazer previsões. Acho que aprendemos algumas coisas de forma bastante clara nos últimos 12 meses. Penso que tudo o que era extravagância desapareceu e as pessoas estão mais focadas na substância. E acho que isso nos levará a uma forma mais consciente de gastar o nosso tempo e de consumir.
Por outro lado, assistimos a um salto para um período de inovação em todas as coisas digitais, onde é claro que o crescimento relativamente gradual da nossa indústria acelerou maciçamente, com provavelmente três anos de progresso num único ano. E talvez este choque de inovação também tenha posto em causa uma série de coisas. Para quê viajar durante horas num avião se podemos reunir via zoom, desde que já exista uma relação estabelecida com os intervenientes? Por outro lado, como podemos construir relações que importam neste universo digital?
Penso que algumas das distracções desapareceram e também aprendemos a ligar-nos a muito mais pessoas de uma forma digital mais pessoal ou personalizada. Isso não acontecia antes. Veja toda a tecnologia de vídeo que tem surgido massivamente. A Realidade Aumentada (RA) e a Realidade Virtual (RV) deram grandes passos. Se pensarmos o quão pouco desenvolvidas eram estas tecnologias há uns anos e a qualidade que têm hoje em dia. Muito mais dinâmicas e ricas. Esta é a derradeira experiência do cliente que veio para ficar. O futuro, definitivamente será uma mistura entre físico e digital.
Durante o confinamento do ano passado, a IWC rapidamente se adaptou à nova situação, testando novos conceitos como realidade aumentada e transmissão ao vivo. Essas soluções já estavam no pipeline de transformação digital da IWC ou nasceram das necessidades do confinamento?
Definitivamente tínhamos desenvolvimentos que estavam no pipeline que foram acelerados. Por exemplo, quando pensamos sobre a apresentação digital global dos nossos produtos, que fizemos no ano passado, tivemos que acelerar porque o único canal disponível para exibirmos os nossos relógios era aquele. Mas definitivamente já estava no pipeline ter um componente digital ao vivo muito forte, mas foi tudo acelerado.
Por outro lado, outras coisas como o “Time well Shared”, a boutique virtual e todas as experiências aí proporcionadas, os eventos relojoeiros virtuais, etc., tudo foi causado e inventado pelo confinamento. E a verdade é que, se antes costumávamos fazer um evento para 100 pessoas, agora podemos fazê-lo digitalmente para milhares de pessoas e, ao mesmo tempo, para algumas fisicamente, o que se traduz num alcance muito melhor para várias actividades.
As redes sociais hoje são também parte integrante dos planos de qualquer empresa. Para onde as redes sociais se moverão no futuro e como isso pode fazer a diferença para a IWC?
A realidade das redes sociais é que estão em rápida evolução e nem sempre na direcção que esperávamos. O ano passado, houve uma grande descolagem do áudio. Tudo começou com um verdadeiro boom de podcasts e a popularidade destes subiu imenso com a criação do Clubhouse, uma plataforma que é agora dominante em termos de áudio e que continua a crescer a um ritmo incrível. E isso permite que as marcas se liguem ao seu público de novas maneiras, que trazem consigo peculiaridades que são únicas para cada plataforma. O Clubhouse, por exemplo, oferece a capacidade de nos ligarmos a todos os tipos de grupos de interesse globalmente muito imediatamente com o áudio ao vivo e criar relacionamentos que são muito mais directos do que o que já foi possível no Instagram e que nos permite realmente fazer parte de cada cliente, clube e grupo de interesse, nomeadamente coleccionadores, em qualquer parte do mundo, a qualquer hora do dia. É um grande potencial para ligar todos os pontos de vista que não estavam juntos antes em qualquer outra plataforma de redes sociais.
Com todas estas mudanças inesperadas e rápidas, o que o futuro reserva para o canal de distribuição da IWC? Qual é a importância do e-commerce?
O que sempre acreditámos é que a nossa distribuição assenta no princípio básico de uma demanda global e de um fornecedor global para os nossos produtos. Qualquer barreira que se coloque entre os nossos clientes e nós que prestamos os serviços, tem de ser eliminada. Esse é o princípio básico. Não pretendemos direccionar nenhum dos nossos clientes. Se optarem por comprar numa loja de retalho multimarca, ou online no telemóvel, ou ao telefone, ou receber o relógio como lhes for mais conveniente, a escolha é sempre do cliente. O nosso trabalho é oferecer uma experiência emocionante, fácil e perfeita em todos esses diferentes pontos de contacto. E é nisso que estamos concentrados, em criar a infra-estrutura onde possamos oferecer todos esses serviços e, então, cabe aos nossos clientes decidir como desejam interagir connosco.
O e-commerce promete tornar-se uma importante fonte de receita. Contudo, quando se trata de relógios, pode ser muito impessoal. De que forma a IWC pode tornar a experiência de e-commerce uma experiência pessoal e de luxo?
Em primeiro lugar, muitas vezes a compra de um relógio não é feita através de um único ponto de contacto. Muitas pessoas que acabam por comprar o relógio online, nalgum momento do processo interagiram fisicamente connosco e/ou com o relógio. Quando não é esse o caso, o que vemos também é que a grande maioria das compras online, seja por telefone ou por chat de vídeo, é pelo menos fortemente influenciada por um destes dois canais. E isso significa que, mesmo que o cliente esteja numa experiência de chat ou de videoconferência ou por telefone, a parte do serviço pessoal ainda é o factor principal na compra e venda de relógios. A forma como depois efectiva a compra, seja porque está à espera do avião ou do comboio para viajar para qualquer lado e resolve comprar o relógio através do telemóvel e escolhe que este lhe seja entregue no hotel, por exemplo, é decisão dele.
Nós oferecemos esse serviço, essa hipótese, mas não tem que ser impessoal. Existem inúmeras opções para comunicar connosco e vemos que, principalmente no processo de compra de relógios, alguma orientação do relacionamento entre o vendedor e o cliente ainda é muito importante, consultar, tocar e experimentar, ouvir a opinião de outra pessoa. Isso ainda é necessário para uma compra emocional, como a de um relógio mecânico.
A IWC tem dado continuidade ao conceito de criar narrativas, a fim de desenvolver respostas emocionais ao produto. Por que é que isto é crítico para o posicionamento de mercado?
As narrativas estão na base do luxo. Quando pensamos no poder de associação de criar valores, ambientes e imagens, isso remonta a centenas e centenas de anos. A expressão de luxo sempre foi vivida e expressa pela aristocracia ou as elites na Roma Antiga, e então copiada pela população em geral. Eram os embaixadores da época. Portanto, não é como se tivéssemos inventado esse conceito no ano passado. Esteve sempre presente, tendo apenas alterado a forma. Passou de elites religiosas e seculares para as primeiras estrelas do cinema nos anos vinte, trinta, quarenta, cinquenta, sessenta. Depois, para os atletas, para as personalidades das redes sociais e, no final, para as diferentes parcerias e associações. Os valores dos objectos de luxo expressam-se através do poder de associação. Acho que é tão antigo quanto a história do luxo.
A responsabilidade social corporativa é cada vez mais importante. Por que é crucial para um relojoeiro ser socialmente responsável?
Fomos criados como uma empresa responsável e sustentável em 1868. Quando Jones veio da América e estabeleceu a IWC aqui nas margens do rio Reno, a sua primeira fábrica era movida directamente pela energia do rio. E hoje 154 anos depois, temos electricidade, cuja energia vem da central hidroeléctrica, que fica aqui a 200 metros, no rio Reno. E esta é a nossa energia sustentável há 150 anos. Por outro lado, sempre fizemos produtos mecânicos que são concebidos para durar para sempre. Produzimos calendários perpétuos pré-programados para 499 anos, e mesmo depois disso, basta uma intervenção simples para continuar actualizado. Basicamente garantimos aos nossos clientes que esses produtos vão durar por toda a eternidade, o que em termos de sustentabilidade é uma mensagem muito diferente de um dispositivo electrónico que temos de substituir a cada dois anos.
Os nossos produtos são produzidos no coração da Europa, aqui na Suíça, continuamente há 150 anos fornecendo aptidões, empregos, conteúdo cultural feito a partir de materiais de origem responsável, movidos pela energia do pulso, dos dedos e concebidos para durar para sempre. Como ponto de partida, acho que é algo muito responsável e sustentável. Por que isto é importante? Porque se vendemos um produto emocional que as pessoas compram para dai retirar prazer, para se sentirem melhor com as suas vidas, é absolutamente essencial que haja uma garantia de sustentabilidade intrínseca. É por isso que nos comprometemos na IWC a produzir os relógios mecânicos da forma mais responsável possível.
Por outro lado, também queremos deixar muito claro que pretendemos ser o mais transparentes e rastreáveis possível. É por isso que começámos a divulgar o nosso relatório de sustentabilidade há três anos, detalhando tudo. Saímos no estudo do WWF sobre abastecimento de ouro na Suíça, porque não só estávamos a abastecer-nos com responsabilidade, mas também a comunicar isso de forma muito clara e respondendo às perguntas. E agora tornámo-nos o primeiro fabricante de relógios na cadeia da tutela certificado pelo conselho de joalharia responsável. E isso significa que todo o conteúdo de metal precioso das nossas caixas é individualmente rastreável, até ao fabricante original. O que significa que, se daqui a 50 anos, o cliente quiser verificar de onde o seu produto vem, podemos dizer exactamente para aquele relógio de onde veio o ouro. E é essa combinação de avançar em termos de sustentabilidade, mas, ao mesmo tempo, também comunicar claramente aos nossos clientes de onde vêm os seus relógios, que queremos perpetuar.
As novidades da IWC têm-se centrado nos movimentos de manufactura. Podemos dizer que a estratégia da IWC para o futuro é equipar todos os modelos IWC com movimentos internos?
Essa é uma ampla generalização, mas a direcção é essa. A primeira colecção que trabalhei quando cheguei a CEO foi o Spitfire Top Gun, em 2019. Era um relógio totalmente in-house. O ano passado foi a vez do Portugieser, também totalmente produzido in-house e, este ano, a situação será análoga, mas irá ainda mais além. O que queremos mostrar com a nova manufactura é claramente que temos a capacidade de produzir desde um movimento automático simples até, por exemplo, um cronógrafo. Podemos dominar todos esses diferentes níveis de relojoaria. Podemos fazer caixas complicadas. Apresentámos o nosso Ceratanium, introduzimos o Armour Gold, materiais de tecnologia de ponta e complexos, misturados e trabalhados aqui em Schaffhausen nas novas instalações. Isto demonstra que podemos gerar cada vez mais conteúdo para os nossos relógios do que apenas movimentos e trazer também para os nossos clientes muito mais valor.
Pode falar-nos um pouco acerca das novidades de 2021?
A nossa principal preocupação este ano foi com a ergonomia e diminuição ligeira do diâmetro dos modelos da colecção Pilot, ao mesmo tempo que aumentámos a impermeabilidade da caixa nalguns modelos de 10 para 100 metros e introduzimos um sistema de troca fácil de bracelete muito intuitivo e rápido. A oferta é muito forte e a nossa estratégia foi a de poder trazer mais conteúdo a cada um dos novos relógios e torna-los muito competitivos em termos de qualidade, design e versatilidade.