“Luxo, meu caro, é tudo o que tem valor suficiente para passar de geração em geração e que pode e vale a pena ser reparado”. Esta definição era-nos dada há uns 20 anos por um membro de uma das poucas famílias que ainda mantém o seu negócio de luxo nas mãos. Já então se adivinhava que… o verdadeiro luxo estava em perigo.

Edições especiais, limitadas – mas com dezenas, centenas ou até mesmo milhares de exemplares cada. A linguagem do marketing apoderou-se de termos como “icónico” ou “exclusivo” e usa-os maciçamente, retirando aos poucos o significado que eles tinham há alguns anos. O luxo debate-se com a quadratura do círculo – num mundo globalizado e aberto a novos mercados, com centenas de milhões de novos consumidores, ávidos do “fruto proibido”, como preservar o estatuto de produtor de sonhos, de alimentador de aspirações, de guardião do supérfluo e do prazer só para alguns, com a sede dos accionistas em lucros, com a ânsia de trimestres cada vez mais lucrativos, com a massificação das peças que, assim, passam a ser tão banais como o mais banal dos objectos do dia-a-dia?

 

No capítulo dos relógios, a estratégia também tem sido a de dar muito dinheiro por uma peçavintage, sabendo-se que ela foi pouco produzida ou pertenceu a alguém muito especial. Mas há também as chamadas “encomendas especiais”. Desde sempre, as grandes casas que trabalham no luxo têm mantido os seus cadernos de pedidos personalizados, num trabalho quase sempre sigiloso.

Falamos aqui de verdadeiros objectos únicos. E, quase sempre, estamos no mundo dosMétiers d’Art(um termo que em português daria Artes Aplicadas, mas que perde assim alguma da carga de luxo que o francês lhe dá). Historicamente, a relojoaria sempre andou a par da joalharia e da ourivesaria, utilizando delas técnicas variadas, desde a cravação à gravação, passando pela esmaltagem ou pela pintura em miniatura. Em todos estes casos, dada a mão-de-obra intensa e irrepetível, dados alguns materiais – como a madrepérola ou as pedras semipreciosas – nenhuma peça é igual à seguinte.

 

De qualquer modo, e sem falar da aplicação de Métiers d’Art, há relógios únicos, personalizados, a pedido do comprador – um desenho ou uma gravação na caixa é o mais habitual. Seguindo esse fascínio pelo relógio exemplar único, a Sociedade Monegasca de Combate às Miopatias tem efectuado, desde 2005, e de dois em dois anos, um leilão, a que dá o nome apropriado de Only Watch. As marcas aderentes produzem um exemplar único para o evento e o produto da licitação é destinado na totalidade para a investigação da doença Distrofia Muscular.

ROGER DUBUIS

Edições Únicas Boutique dos Relógios Plus

Neste contexto de criação de peças únicas, criadas a pedido esur mesure, a Boutique dos Relógios Plus lançou, recentemente, um desafio a algumas das mais prestigiadas manufacturas relojoeiras suíças: criar uma peça do tempo excepcional, personalizada e, como tal, única no mundo. O resultado foi a criação de 15 obras-primas que espelham toda a essência da relojoaria, bem como a identidade de cada manufactura, ao mesmo tempo que aludem ao universo da lusofonia. Uma compilação de peças excepcionais que pode agora ser apreciada no seu conjunto num livro inédito lançado pela Boutique dos Relógios Plus.

 

Estes são casos “públicos” de relógios únicos. Arriscamos que, no entanto, os exemplares mais curiosos e espectaculares, fruto de discretas encomendas, ainda não foram apreciados pelo público em geral. Até um dia… quando algum dos seus possuidores ou um seu herdeiro o leve à praça, para surpresa de todos e gáudio de quem conseguir arrematar a tal peça…

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Saiba mais na edição impressa da Turbilhão

Fernando Correia de Oliveira (Lisboa, 1954), é jornalista e investigador do Tempo. Licenciado em Direito, esteve 20 anos como quadro da Agência Noticiosa Portuguesa, saindo como Director-Adjunto de Informação para ser o primeiro correspondente da Lusa em Pequim, onde viveu entre 1988 e 1990. Ingressou no PÚBLICO, onde foi Editor de Sociedade e especialista em Política Internacional na zona da Ásia-Pacífico (China, Japão, Coreia) entre 1993 e 2002. Desde esse ano é jornalista freelance, especializado em Tempo e Relojoaria, uma das suas paixões de sempre. Editor-Chefe do Anuário Relógios & Canetas, nas suas edições em papel e online, mantém o blog Estação Cronográfica (o mais importante do seu género em língua portuguesa, com mais de 40 mil visitas mensais). Colabora com muitos outros títulos especializados da área da Relojoaria, em Portugal, Espanha, Brasil, México ou Coreia do Sul. Membro de várias organizações internacionais dedicadas ao estudo do Tempo e de vários júris estrangeiros envolvidos na escolha dos Relógios do Ano, é consultor do Governo Português na área do Património Relojoeiro. Tem um vasto conjunto de obras publicadas sobre a temática – nomeadamente História do Tempo em Portugal ou Dicionário de Relojoaria.