
Diogo Navarro pinta emoções, atribuindo novos sentidos à definição do tempo. Nascido em Xinavane, Moçambique, veio para Portugal com apenas cinco anos e, aos treze, expôs os seus primeiros trabalhos. Desde aí nunca mais parou: Portugal, Suíça, Itália, Bélgica, Gana; os seus quadros viajam por todo o mundo e o seu talento não passou despercebido à Academia de Belas Artes da Rússia, que o distinguiu em 2012. “Golden Eyes”, a mais recente exposição do artista, esteve em destaque na Boutique dos Relógios Plus.
Veio para Portugal quando tinha apenas cinco anos e deparou-se com uma realidade diferente daquela a que estava habituado. Acha que foi esse o móbil que o despertou para a arte?
A mudança acaba por despertar em nós novas formas de evolução e entendimento. Todas as crianças evoluem com esse estímulo de descobrir novos mundos e com a curiosidade de explorar o que as rodeia. É algo natural. Pessoalmente, acredito que a arte está muito relacionada com a forma de pensamento e essa forma de pensamento nasce com a pessoa. Claro que, mais tarde, a escola acaba por dar alguns instrumentos e técnicas, mas a natureza da pessoa é autodidacta.
Curiosamente, a Faculdade de Belas Artes não faz parte do seu percurso académico. Considera-se, portanto, um autodidacta?
A minha ligação com as artes vem de longe, praticamente desde que nasci. Sempre procurei encontrar explicações muito próprias para as coisas. Ser autodidacta obriga-nos a pensar, embora não me considere um autodidacta na verdadeira acepção da palavra. Durante toda a minha vida estudei (e estudo) arte, penso em arte, acompanho o que se passa no mundo das artes e viajo com frequência. Mas acho que a grande vantagem de se ser, de certa forma, autodidacta é utilizar na criação aquilo que realmente importa: a emoção. Quando criamos, construímos uma narrativa pessoal, sem nos guiarmos por normas predefinidas. No meu caso, entro num estado de transcendência, onde a emoção transforma o tempo.
Consegue definir o seu estilo artístico?
Não, e gostaria de nunca ter de o definir. Gosto de mostrar aquilo que faço, mas gosto igualmente de me resguardar e estar no meu espaço a trabalhar, sem pensar qual o caminho que devo seguir. São as circunstâncias que definem o momento e aquilo que nós somos.
De onde vem a inspiração para criar?
A inspiração surge, essencialmente, por estados de luz. A luz pode ser traduzida de muitas formas: a partir da natureza, das pessoas ou através de estados emocionais. De acordo com a fase em que me encontro, vou buscar inspiração ao que me rodeia e projecto-a no momento em que estou a criar.
Acha que a parte da infância que viveu em Moçambique tem alguma influência na sua obra?
Sim, acho que o nosso embrião guarda muitos segredos. Ao longo da nossa vida vamos descodificando determinadas formas de sentir que podem estar relacionadas com a infância. Claro que não vamos voltar à infância outra vez, mas a vida é como um relógio, é feita de ciclos, onde o dualismo efemeridade/ eternidade marca o nosso caminho. A minha obra é um somatório de vários momentos que se traduzem num todo. Mas esse todo leva o seu tempo a construir e ainda não tenho a distância suficiente para a definir de forma concreta.
Qual foi a exposição que mais o marcou?
A exposição na Fundação D. Luís I, que terminou no início do ano. Não tanto pelo impacto que causou no público, mas, sobretudo, pelo que esta representa para mim. Naquela exposição está uma parte daquilo que eu sou. É o resultado da triagem que eu vou fazendo e que se assemelha à construção de um puzzle. E a construção desse puzzle, que é a nossa vida, só se consegue ao fim de muitas voltas, muitos ciclos. Naquela exposição está o meu mapa genético.
Em 2012, integrado na exposição “Um Olhar Sobre o Palácio – O Atelier de um Artista”, transformou o Palácio da Ajuda no seu ateliê privado. O que representou para si esta experiência?
Sempre que passava a ponte sobre o Tejo olhava para o Palácio e imaginava como seria fazer lá uma exposição. Durante várias semanas tive oportunidade de me envolver com aquele espaço e com as pessoas que lá trabalham; conhecer a dinâmica e a história; ir redescobrindo a importância destes sítios na nossa identidade. Curiosamente, tenho antepassados que viveram naquele Palácio e, por isso, teve um significado ainda mais especial.
Recentemente, expôs na Boutique dos Relógios Plus. Como descreveria essa exposição?
A exposição intitulou-se “Golden Eyes”, numa referência ao filme “Golden Eye”. No fundo, são representações de rostos, com especial destaque para o olhar, em que cada uma das pinturas estabelece um diálogo próprio connosco. Há também uma certa ligação à cultura portuguesa, com a associação à filigrana e aos tesouros do Norte, onde tenho raízes familiares. Mas não queria retratar este tema de uma forma regional, prefiro associá-lo ao simbolismo do amor. O lado emocional é muito importante para as pessoas, já que é esse lado que lhes permite percepcionarem o tempo de forma diferente.
Fala muito sobre o tempo. As dimensões do tempo, a forma como o sentimos e vemos, acabam por ser uma constante na sua obra?
O tempo é, provavelmente, a charneira de todas as obras. Criar vai buscar uma definição de tempo que normalmente não está nos relógios. Diariamente, vivemos sob a pressão do tempo analógico e a arte consegue dar outra dimensão ao tempo, fazendo-nos sentir o momento de maneira diferente.
Como imagina o futuro?
Para construirmos o futuro temos de perceber com que instrumentos podemos trabalhar, e esses instrumentos têm que ver com a nossa identidade, com o lado emocional e também com as circunstâncias que vivemos. O futuro também está muito relacionado com a vontade em conquistar outras etapas e, às vezes, em Portugal, temos dificuldade em sair da nossa zona de conforto. Acho que é importante pormo-nos à prova e perceber que a nossa linguagem funciona lá fora. Tenho tido vários convites e, no futuro, o passo natural será, talvez, apostar mais na internacionalização