A componente iconográfica e metafórica do universo criativo da Obra de João Noutel explora de forma subtilmente irónica alguns paradoxos da condição humana na sociedade contemporânea. Distinguido com o Prémio de Pintura Abel Manta 2015, o artista visual português já expôs em todo o mundo. Recentemente, convidou-nos a perder o tempo consigo na mostra “Lose Your Time With Me”, que esteve em destaque na Boutique dos Relógios Plus Art.
O que o levou a enveredar pelas Belas Artes?
Acho que era uma inevitabilidade. Formei-me em Direito, mas, no decorrer do curso, já realizava projectos relacionados com design e artes plásticas e era convidado para apresentar exposições pontuais, porque eu sempre desenhei. Percebi que fazia sentido especializar-me numa área que me era muito cara, as técnicas de impressão de desenho em vários suportes, e fiz uma pós-graduação na Universidade de Belas Artes do Porto. Senti uma necessidade de simplificar a imagética da minha obra e houve uma série de processos que foram alterados com essa mudança técnica.
Sentiu necessidade de ter mais formação?
Em tudo o que faço, o meu posicionamento sempre foi fazer o melhor possível, o que tem a ver com conhecimento, com prática e com uma percentagem razoável de talento. Tentei que houvesse uma bagagem intelectual e académica forte.
Nós, artistas, temos quase uma obrigação de estar atentos a todas as disciplinas que existem no ponto de vista da cultura visual. Um artista, como qualquer autor cultural, deve ter atenção e cuidado com a arquitectura, design, fotografia, cinema, literatura, teatro… porque são autênticas disciplinas de exercício cultural e intelectual e contribuem para que sejamos melhores naquilo que fazemos.

Como nasce uma obra sua? Onde vai buscar inspiração?
Há um trabalho constante. Não tenho uma visão estrita do meu exercício artístico porque, de facto, não sou um artista plástico puro, sou um autor visual, porque tenho intervenção como autor em vários suportes.
Há uma atenção permanente e involuntária sobre a vida. Não há uma fórmula para eu chegar ao resultado final, tem que ver com muito trabalho, até porque também há muitas coisas que deito fora porque acho que não resultam. O trabalho não é feito no sentido de uma apreciação positiva, mas um artista, de qualquer área, quer que a sua obra seja apreciada. No limite, não o faz para que os outros gostem, mas é humano que o queira.
É, muitas vezes, associado à ‘Pop Art’. Esta corrente é uma influência para si?
A ‘Pop Art’ é, no fundo, o símbolo máximo da transdisciplinaridade. O meu trabalho não se pode catalogar, de todo, como ‘Pop Art’ e distancio-me doutrinalmente dessa classificação, mas a minha linguagem em alguns trabalhos sugere essa aproximação. Essa é a classificação global mais fácil.

O que pretendo é desconstruir conceitos que estão ligados aos paradoxos da condição humana; explorar quer a tristeza, quer a extrema felicidade, o glamour, a escuridão, o desejo, a tensão, o sucesso, sempre com uma componente irónica forte. Tento, no meu trabalho, levar até ao limite possível a força gráfica da pintura.
Como descreveria esta exposição na Boutique dos Relógios Plus Art?
A mensagem “Lose your time with me” é resultante da obra que está no início da exposição, um relógio que não tem qualquer referência temporal. A ideia é, à medida que se sobe no espaço físico, cada obra ir dando pistas sobre como esse tempo pode ser perdido, usado ou aproveitado com quem quer que seja. O título da exposição é quase uma declaração de amor, porque estão aqui várias propostas que tentam convidar o observador a viajar nesse conceito de perder tempo com alguém, da melhor forma.

Como é que azulejaria se encaixa no trabalho?
Existem três obras da “Station series”, uma série bastante grande em que tentei desconstruir a carga emocional convencionalmente relacionada com os azulejos portugueses, conferindo-lhe uma mensagem mais leve de prazer, que nos remetesse para os fenómenos contemporâneos sociais, como a noção de visita de um lugar que não se conhece. Este trabalho tenta sintetizar também alguma atenção pelo universo feminino e ajuda a corroborar a Portugalidade, que a minha obra tenta evocar.
Qual é a sua relação com o tempo e com os relógios?
Não tenho uma relação obsessiva com o tempo, mas o tempo é, no fundo, o fenómeno mais misterioso e incontrolável da vida. Tenho, de facto, um certo fascínio por alguns objectos e o relógio é um deles. É um objecto mágico e a forma como, hoje em dia, as grandes casas de manufactura e de artesões de alta relojoaria trabalham dá vida a autênticas obras de arte.

Que tipo de relógio mais o fascina?
Gosto de modelos que estejam de acordo com aquilo que eu entendo ser o bom design, que não tem de ser necessariamente espalhafatoso. Pelo contrário, vejo exemplares com algum esplendor pela simplicidade, seja em relógios mais clássicos ou modernos.