Quando se entra nesta casa de finais do século XVIII, o bom cheiro a madeira envolve-nos docemente, transportando-nos de imediato para tempos que já lá vão, onde mestres passavam pacientemente, ao longo de anos, os seus segredos a discípulos ávidos de produzir sozinhos a obra-prima… a obra primeira, carta de alforria no ofício a que se tinham dedicado.

Métiers d’Art, em francês, Arts & Crafts, em inglês, Artes & Ofícios ou Artes Aplicadas, em português. Um mundo vasto que, desde sempre, teve uma ligação muito directa com a Relojoaria. Por um lado, o relojoeiro, mestre no domínio da miniaturização, do cálculo de dentes em rodas dentadas, do procurar incessante da maneira mecânica mais perfeita de medir o tempo com exactidão, de o mostrar em horas, minutos, segundos, dia da semana, do mês, ano, fases de Lua… Por outro, a envolvente estética de tudo isto – primeiro, em relógios de pêndulo, de parede, de mesa. Depois, em caixas de relógios de bolso ou de pulso.

Todos os quatro modelos Métiers d’Art estão alojados numa caixa de 45 mm em ouro vermelho, cujo fundo em vidro de safira revela o calibre extraplano 15B acabado e decorado à mão e utilizado exclusivamente nas peças do tempo únicas da Blancpain.

Estamos a falar de ourives, douradores, gravadores, esmaltadores, miniaturistas, etc. Muitos destes ofícios foram perdendo, ao longo da segunda metade do século XX, o uso. Isso levou ao desaparecimento de muitos saberes, ao hiato entre gerações. Com o regresso do interesse pela relojoaria mecânica, com a procura do restauro de peças antigas, as grandes manufacturas relojoeiras recomeçaram a investir nos Métier’s d’Art. Conseguindo, assim, salvar muito do saber que estava em perigo.

A Cartier, com uma larga tradição, no século XIX e início do século XX, em empregar o seu saber joalheiro em máquinas medidoras do tempo, investiu nesse mundo multidisciplinar. A manufactura, que produz os seus relógios na Suíça, começou por juntar especialistas em Crêt-du-Locle mas acaba de inaugurar, junto ao seu centro de produção de Alta Relojoaria, em La Chaux-de-Fonds, a Maison des Métiers d’Art.

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O centro de criação e restauro fica instalado numa quinta adjacente, num edifício ao estilo de Berna, datando de finais do século XVIII. A Turbilhão foi dos primeiros órgãos de informação a visitar o novo espaço, totalmente remodelado, mas respeitando o diálogo entre a tradição e a modernidade.

Desde logo, todo o interior do edifício foi forrado com tectos e paredes de madeira, com painéis restaurados que já havia no local ou foram adquiridos noutras quintas um pouco por toda a Suíça. Depois, os traços de arquitectura moderna podem ver-se nas escadarias, em ferro e vidro, nos corrimões de aço, nas janelas aproveitando ao máximo a luz natural. Mas o espírito do lugar permanece intacto – reina o silêncio e os rimos lentos, a concentração e o trabalho manual.

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No rés-do-chão, onde tivemos ocasião de almoçar, cerca de 350 m2 estão divididos em três salas. Uma delas tem patentes relógios antigos e modernos onde a Cartier demonstra o seu savoir-faire em Métiers d’Art. Ali são organizados também reuniões e workshops. Enquanto o fogo crepita numa grande lareira, das janelas com portadas pode ver-se o branco da neve no Inverno ou o verde de pasto na Primavera. Parece-se que o tempo, aqui, parou… Mas um relógio de caixa alta, ao estilo de Neuchâtel, com o seu tic-tac imperial, diz-nos que… não.

Subimos ao primeiro andar, onde estão as bancadas com os mestres cravadores e polidores, empenhados em encastrar pedras preciosas ou em poli-las. Livros com peças históricas da Maison abrem-se, inspirando revisitações para novas criações. Mais de uma dezena de técnicas de cravação são aqui usadas. O polimento, actividade muito sensível, procura dar o máximo brilho a um relógio. Só a experiência de muitos anos permite um resultado satisfatório.

No segundo andar da Maison des Métiers d’Art estão as bancadas dos mestres em marchetaria, mosaico e esmaltagem. A marchetaria, que faz padrões através de pequenos pedaços de madeira ou pedaços de palha, bem como de minúsculos mosaicos, é uma das técnicas mais ancestrais. Ela é empregue nos mostradores, através de um minucioso processo de selecção de cores e texturas. Depois, tudo ganha forma na colocação, à mão, dos pequenos pedaços no espaço diminuto de um mostrador.

A Turbilhão é uma revista semestral, especializada na área da Alta Relojoaria e do Luxo.