A relojoaria vive bem com a hostilidade do meio-ambiente, dominando-o: das profundezas dos mares aos picos das mais altas montanhas, desde os primórdios da aviação à conquista espacial, com altas pressões ou em atmosferas rarefeitas. O que faz com que, no pulso, esteja uma máquina todo-o-terreno.

 

Se fizer uma busca na Internet sobre os chamados “4 Elementos”, será invariavelmente remetido para sites e artigos mais ou menos esotéricos, para mapas zodiacais, para guias sobre as pedras ou as cores “propícias”. Mas há uma base científica, ou pelo menos para-científica, neste conceito que fala de terra, água, fogo e ar.

Na sua origem, tratou-se de uma hipótese de alguns filósofos gregos pré-socráticos, nomeadamente de Empédocles, que viveu no século V antes da era actual. Segundo essa escola, toda a matéria de que o mundo é constituído é composta por quatro elementos. Na tradição alquímica, cada um é representado por um símbolo diferente. As experiências alquímicas – como a busca do Elixir da Longa Vida ou a transmutação de metais como o chumbo em ouro – estão para a história da ciência como a Astrologia está para a Astronomia.

Para os pré-socráticos, cada substância presente no universo seria constituída por um ou diversos desses elementos, em mais ou menos quantidade. Isso explicaria o carácter mais ou menos volátil, quente, frio, húmido ou seco (as quatro qualidades elementares) de cada material. Para essa escola de pensamento, imaginou-se uma essência primordial, que precedeu todas as outras. Tales escolheu a água. Heráclito via no fogo o elemento que deu origem a toda a matéria. Anaximénes preferiu o ar; finalmente, Empédocles, fala pela primeira vez dos 4 Elementos como sendo, juntos, a composição do Universo.

Ainda nesse capítulo, Demócrito fala de um Universo composto por átomos (em grego, a-tomos, que não pode ser cortado). Ou seja, partículas muito pequenas, inseparáveis e eternas, que formariam a matéria, como se de tijolos de um muro se tratassem.

A interpretação simbólica dos quatro elementos fala ainda das qualidades activas (quente e frio) e passivas (seco e húmido). A Terra representa o elemento sólido, que se pode tocar e que tem uma consistência, um peso, uma forma fixa. A água é, obviamente, a representação do elemento líquido, que toma a forma do recipiente e que se escoa para os espaços vazios e profundos da Terra. O Ar é o elemento gasoso. Ele é ligeiro e sensível ao movimento. Pode ser comprimido até se tornar líquido. O Fogo é o elemento activo, possui calor e pode comunicar com o seu meio envolvente imediato, transformando a matéria em seu contacto em líquido, gasoso ou mais fogo.

Perguntar-se-á o leitor: e o que tem tudo isto a ver com Relojoaria? Desde logo, podemos dizer que os primórdios da medição mecânica do Tempo – a chamada Relojoaria Grossa – tiveram como palco as forjas dos ferreiros, que a um tempo fabricavam alfaias agrícolas, a outro armas e armaduras, a outro ainda rodas dentadas e outros elementos dos relógios iniciais. Só eles tinham a sabedoria, muitas vezes aprendida em tratados de Alquimia, para temperar e combinar metais, para trabalhar o ferro e dominar o fogo.

Depois, há o combate eterno entre os mecanismos e elementos que são prejudiciais ao seu bom funcionamento – pó e água. Os primitivos relógios de bolso não tinham vidro protector do mostrador. Mas rapidamente as protecções contra o pó foram sendo criadas, nomeadamente em relógios de bolso com caixas múltiplas. Daí as chamadas “cebolas”, pois esses objectos “descascavam-se” em camadas sucessivas.

Fernando Correia de Oliveira (Lisboa, 1954), é jornalista e investigador do Tempo. Licenciado em Direito, esteve 20 anos como quadro da Agência Noticiosa Portuguesa, saindo como Director-Adjunto de Informação para ser o primeiro correspondente da Lusa em Pequim, onde viveu entre 1988 e 1990. Ingressou no PÚBLICO, onde foi Editor de Sociedade e especialista em Política Internacional na zona da Ásia-Pacífico (China, Japão, Coreia) entre 1993 e 2002. Desde esse ano é jornalista freelance, especializado em Tempo e Relojoaria, uma das suas paixões de sempre. Editor-Chefe do Anuário Relógios & Canetas, nas suas edições em papel e online, mantém o blog Estação Cronográfica (o mais importante do seu género em língua portuguesa, com mais de 40 mil visitas mensais). Colabora com muitos outros títulos especializados da área da Relojoaria, em Portugal, Espanha, Brasil, México ou Coreia do Sul. Membro de várias organizações internacionais dedicadas ao estudo do Tempo e de vários júris estrangeiros envolvidos na escolha dos Relógios do Ano, é consultor do Governo Português na área do Património Relojoeiro. Tem um vasto conjunto de obras publicadas sobre a temática – nomeadamente História do Tempo em Portugal ou Dicionário de Relojoaria.