Costuma dizer-se que, em relojoaria, tudo já foi inventado, durante o chamado Século de Ouro, que vai de 1650 a 1750. A partir de então, apenas houve miniaturização e uso de novos materiais.
Parece exagerado, mas a ideia tem bases sólidas – a força motriz da mola helicoidal, dentro de um tambor; o sistema quinético da sua distribuição através de rodas dentadas; a divisão do tempo em segmentos iguais, por sistema de escape de âncora e balanço/espiral; tudo isso já tinha sido inventado há 250 anos.
Surrealismo (os relógios derretidos de Dali), psicadelismo, pop art, arte urbana, steampunk e a nostalgia da Primeira Revolução Industrial, todos estes movimentos influenciaram as formas da relojoaria de pulso. E, como num movimento de expansão e contracção, como num vórtice que acaba e recomeça sem parar, qual espiral ritmando usos e costumes, soltando e enterrando modas – todos estes estilos vão sendo colocados por décadas na gaveta do “antiquado” ou mesmo do “piroso”. Para renascerem em glória, misteriosamente, um destes dias…
Glashütte Original Cronógrafo SeventiesPanorama Data
Hublot Classic FusionBerluti Blue
Omega, Speedmaster
Não há escravidão nas formas de um relógio. Apenas no processo de leitura do tempo – ou é analógico (espacial, por ponteiros), ou é digital (por algarismos e janelas). Nisto também, as modas vão-se sucedendo, qual sandes mista – a primeira geração do quartzo, usando leitura digital, está de volta, depois de parecer derrotada pela mais “natural” forma de dizer o tempo – numa leitura analógica, vemos o quarto de hora que falta para a hora, apreciamos a evolução desse espaço à medida que o ponteiro dos minutos avança. Não é o mesmo que ler 19h45, por exemplo…
“Não há escravidão nas formas de um relógio”
As caixas dos relógios portáteis (com mola helicoidal a servir de corda) começaram por ser ovais – os chamados Ovos de Nuremberga. Depois, tornaram-se perfeitamente redondos. Mas, logo a seguir, houve soluções para o pulso em quadrado, em rectângulo (e em quadrado dentro de rectângulo), tonneau (tipo barrica) ou mesmo com formas totalmente irregulares (os Hamilton Ventura, por exemplo, usados por Elvis, não morreram – nem o Rei, segundo garantem alguns…)
Mostradores tapados (para protecção do vidro e contra a poeira) usados nos relógios de bolso, regressam em relógios de pulso. A moda do mostrador esqueleto, tão em voga nos anos 1960, está aí em força. Uma janela, onde se mostra parte do calibre, outra moda que já existiu nos relógios de bolso e que desde há 15 anos veio aparentemente para ficar. De certeza, para ficar, o fundo à vista, quando até 1990 isso era algo em que ninguém pensava.
Greubel Forsey, Duplo Turbilhão 30º Technique
Na tecnologia, além da miniaturização, o que se pretende é o que sempre se pretendeu – a máxima autonomia – há hoje relógios de pulso com reserva de corda para 30 dias; a máxima resistência ao choque – o sistema anti-choque suíço, Incabloc, funciona em quase monopólio, desde que foi inventado, em 1934; a máxima resistência aos campos magnéticos (novos materiais, amagnéticos, como o silício ou as cerâmicas, permitiram grandes avanços nesse campo, com a Omega e a sua certificação METAS à frente; a máxima resistência à corrosão e ao risco – novas ligas de materiais compósitos (não existentes na Natureza) como cerâmicas ou nanofibras de carbono, levam esses parâmetros a limites inimagináveis há 20 anos.
Mais leves, mais herméticos (à água, mas também à poeira), menos necessitados de manutenção (acerto no órgão regulador, óleo nos eixos e outras partes móveis – o escape coaxial da Omega melhorou o quadro, o novíssimo Defy Lab da Zenith promete o Paraíso… (ler reportagem neste número). Assim se querem os relógios do futuro. Com ecrãs tácteis (pioneirismo da Tissot) ou como objectos conectados. Mas a voga vintage faz, pasme-se, disparar os preços de exemplares dos anos 1960 e 1970, ultrapassando em muitos casos os preços dos seus “irmãos” actuais, que são mais fiáveis e até lhes copiam as formas, as cores, as pulseiras.
Ah… as pulseiras. Muitos puristas garantem que um bom relógio pode ser estragado por uma má pulseira ou por uma inadequada. O nylon já foi moda, sinal de “modernidade”, como o terylene nas calças e nas camisas (que só de pronunciar o nome, dá logo comichão). Mas o nylon voltou – ninguém se atreve a chamá-lo pelo nome, hoje fala-se mais de braceletes tipo NATO… E então a malha milanesa, essa teia fina de pequenos anéis, que nos faz recordar logo filmes italianos em Technicolor e o tempus horribilis no vestuário dos anos 1970? Também voltou!
O que parece que veio e desapareceu rapidamente, para não voltar, foi a febre do Galuchat. Em vez disso, está na moda fazer alianças com curtidores tradicionais, sobretudo italianos, com sapateiros mesmo (a IWC e a Montblanc anunciam com orgulho que os seus braceletes provêm de pelleterias florentinas ou milanesas com séculos de história, a Hublot usa numa edição especial o mesmo cabedal que a também italiana Berluti gasta nos seus sapatos; a Parmigiani orgulha-se de ter os seus braceletes de pele fornecidos totalmente pela Hermès. Na versão high-tech, a Roger Dubuis emprega borracha Pirelli, sim dos pneus, usados na Fórmula 1. Outra tendência High-Tech é a de usar materiais mistos de tecido natural, tecido artificial e borracha. Um bracelete, uma pulseira, estão para um relógio como um par de sapatos para um vestuário completo – têm que estar a condizer com tudo o resto.
Nas formas, a chamada relojoaria conceptual, nascida há uns 20 anos, alimenta-se dos sonhos de juventude de quem tem hoje 40 ou 50… Corrida espacial, o mundo de Júlio Verne. Nessa escola, iconoclastas como a MB&F aliam a mais exigente relojoaria tradicional com uma arquitectura tridimensional inédita dos calibres, só possível hoje graças a software como o CAD ou a máquinas-ferramentas CNC (com Computer numerical control). A HYT, seguindo também a corrente conceptualista, avança com um anátema – colocar líquidos no calibre, que fazem a indicação das horas.
Mas, com mais ou menos imaginação, seguindo o eterno retorno das modas, o Tempo continuará tão intangível como no primeiro nanossegundo após o Big Bang. Ele foge-nos. Seja qual for a forma que usemos para o expressar.