Costuma dizer-se que, em relojoaria, tudo já foi inventado, durante o chamado Século de Ouro, que vai de 1650 a 1750. A partir de então, apenas houve miniaturização e uso de novos materiais.

Parece exagerado, mas a ideia tem bases sólidas – a força motriz da mola helicoidal, dentro de um tambor; o sistema quinético da sua distribuição através de rodas dentadas; a divisão do tempo em segmentos iguais, por sistema de escape de âncora e balanço/espiral; tudo isso já tinha sido inventado há 250 anos.

Surrealismo (os relógios derretidos de Dali), psicadelismo, pop art, arte urbana, steampunk e a nostalgia da Primeira Revolução Industrial, todos estes movimentos influenciaram as formas da relojoaria de pulso. E, como num movimento de expansão e contracção, como num vórtice que acaba e recomeça sem parar, qual espiral ritmando usos e costumes, soltando e enterrando modas – todos estes estilos vão sendo colocados por décadas na gaveta do “antiquado” ou mesmo do “piroso”. Para renascerem em glória, misteriosamente, um destes dias…

Não há escravidão nas formas de um relógio. Apenas no processo de leitura do tempo – ou é analógico (espacial, por ponteiros), ou é digital (por algarismos e janelas). Nisto também, as modas vão-se sucedendo, qual sandes mista – a primeira geração do quartzo, usando leitura digital, está de volta, depois de parecer derrotada pela mais “natural” forma de dizer o tempo – numa leitura analógica, vemos o quarto de hora que falta para a hora, apreciamos a evolução desse espaço à medida que o ponteiro dos minutos avança. Não é o mesmo que ler 19h45, por exemplo…

“Não há escravidão nas formas de um relógio”

As caixas dos relógios portáteis (com mola helicoidal a servir de corda) começaram por ser ovais – os chamados Ovos de Nuremberga. Depois, tornaram-se perfeitamente redondos. Mas, logo a seguir, houve soluções para o pulso em quadrado, em rectângulo (e em quadrado dentro de rectângulo), tonneau (tipo barrica) ou mesmo com formas totalmente irregulares (os Hamilton Ventura, por exemplo, usados por Elvis, não morreram – nem o Rei, segundo garantem alguns…)

Fernando Correia de Oliveira (Lisboa, 1954), é jornalista e investigador do Tempo. Licenciado em Direito, esteve 20 anos como quadro da Agência Noticiosa Portuguesa, saindo como Director-Adjunto de Informação para ser o primeiro correspondente da Lusa em Pequim, onde viveu entre 1988 e 1990. Ingressou no PÚBLICO, onde foi Editor de Sociedade e especialista em Política Internacional na zona da Ásia-Pacífico (China, Japão, Coreia) entre 1993 e 2002. Desde esse ano é jornalista freelance, especializado em Tempo e Relojoaria, uma das suas paixões de sempre. Editor-Chefe do Anuário Relógios & Canetas, nas suas edições em papel e online, mantém o blog Estação Cronográfica (o mais importante do seu género em língua portuguesa, com mais de 40 mil visitas mensais). Colabora com muitos outros títulos especializados da área da Relojoaria, em Portugal, Espanha, Brasil, México ou Coreia do Sul. Membro de várias organizações internacionais dedicadas ao estudo do Tempo e de vários júris estrangeiros envolvidos na escolha dos Relógios do Ano, é consultor do Governo Português na área do Património Relojoeiro. Tem um vasto conjunto de obras publicadas sobre a temática – nomeadamente História do Tempo em Portugal ou Dicionário de Relojoaria.