No mundo virtual a imagem conta tanto, ou mais, que na vida real, e as skins de alta costura para vestir avatares, ou os coleccionáveis com assinatura, são os itens mais cobiçados. Um nicho que fez a indústria do luxo imergir a fundo no metaverso.

Avatares vestidos com peças Gucci, Louis Vuitton ou Prada. Um NFT (Non-Fungible Token) da Burberry em forma de tubarão, com o nome de Sharky B, que é personagem do jogo Blankos Block Party, da Mythical Games. O luxo rendeu-se ao novo mundo virtual do metaverso, um universo paralelo interactivo suportado pelas tecnologias de realidade virtual e realidade aumentada.

Estas novas experiências virtuais imersivas estão a transformar a relação dos consumidores com as marcas e, desta vez, o segmento de luxo está na linha da frente. A comunidade de milionários das criptomoedas e várias celebridades mundiais foram os primeiros “habitantes” do metaverso, onde as skins (roupas e acessórios) de alta costura e os NFTs, activos digitais cujo valor reside no certificado de autenticidade e propriedade que o acompanha, tornam a sua identidade online única. E ter uma skin de griffe ou um token não-fungível pode custar vários milhares ou milhões de euros.

DOLCE & GABBANA

Além de explorar um nicho de mercado completamente novo, o luxo não poderia ficar indiferente a um mundo que partilha os mesmos valores da exclusividade, raridade e preços elevados. Ademais, as marcas de luxo estão também a conquistar novos clientes: os homens, sobretudo os mais jovens e mais conectados. Segundo um estudo do banco HSBC, cerca de 70% dos compradores de NFTs são homens, em comparação com os 30% que adquire bens de luxo no mercado tradicional.

Não é, portanto, de admirar que a indústria de alta costura esteja a levar esta tendência muito a sério. Uma pesquisa desenvolvida pelo banco Morgan Stanley, publicada em Novembro de 2021, estima que as NFTs e os jogos online possam representar 10% do mercado de luxo em 2030 e gerar 50 mil milhões de euros em receita.

 

Novos mercados para explorar

As oportunidades neste novo mercado ainda estão a ser testadas, mas algumas são já  evidentes. Em primeiro lugar, poder estender a experiência do mundo real para o virtual, com NFTs associados a produtos físicos existentes. Foi o que fez a Gucci, ao abrir, em parceria com a marca global de entretenimento Superplastic, uma loja no metaverso para vender a sua colecção de 10 NFTs, designada Supergucci, com personagens icónicos vestidos com diferentes padrões clássicos da marca.

Outra possibilidade é a dos produtos puramente virtuais e, neste campo, há todo um mundo a descobrir, já que as criações podem ser ou não relacionadas com o negócio das marcas, ainda que o seu ADN esteja sempre bem presente. Em 2019, a Louis Vuitton fez a sua primeira incursão no ambiente digital ao lançar uma colecção para o jogo League of Legends, mas em 2021 a insígnia francesa de alta costura foi mais longe – para comemorar os 200 anos do seu fundador, lançou o Louis: The Game, uma aplicação de jogos em que a narrativa segue a mascote Vivienne, em Paris, e a sua jornada vai revelando 30 NFTs que podem ser coleccionados, dez dos quais criados por Beeple, um dos mais conhecidos artistas neste meio.

Também em 2021, a Dolce & Gabbana fez a sua estreia virtual com a colecção de NFTs em parceria com o marketplace de luxo UNXD. Denominada Collezione Genesi, as suas nove peças (cinco delas também físicas) foram vendidas aos maiores coleccionadores de NFTs do mundo. Já a Givenchy apresentou uma colecção exclusiva de NFTs com o artista latino-americano Chito, que concebeu 15 desenhos digitais únicos que ostentam Pop Art, personagens e  símbolos.

No campo das oportunidades, a moda de luxo digital motiva ainda a criação de novos serviços, como, por exemplo, as royalties por cada revenda que é realizada no universo virtual. No mundo físico, as marcas não lucram por cada venda em segunda mão, mas com os itens digitais podem beneficiar de uma receita contínua, desde que seja associado um contrato ao NFT que lhes garanta uma parte do valor em transacções futuras.

Mas há mais razões pelas quais a alta costura está a imergir neste novo mundo: a criação de bens de luxo virtuais não consome qualquer matéria-prima e, portanto, as margens de lucro são maiores; as limitações criativas impostas pelos aspectos práticos do mercado tradicional não se aplicam; e as marcas podem converter peças e looks antigos em activos virtuais, obtendo um novo fluxo de receita.

 

Dos jogos online às passerelles virtuais

Num universo onde os utilizadores podem navegar entre plataformas e levar consigo itens como roupa, acessórios e decoração, os avatares são soberanos e muitos estão dispostos a equipá-los com artigos de luxo.

Mark Zuckerberg, CEO da Meta, citado pela Forbes Brasil, diz mesmo que “os avatares serão tão comuns quanto as fotos de perfil hoje, mas em vez de uma imagem estática, eles serão representações 3D vivas dos utilizadores”, que terão “um avatar foto-realista para o trabalho, um estilizado para sair e talvez até um de fantasia para jogos”. Com um guarda-roupa completo com peças virtuais para diferentes ocasiões, desenhadas por diferentes criadores.

Neste ambiente de gaming (e gamificação da vida), a imagem é tudo. De acordo com dados da Morgan Stanley, um em cada quatro jogadores da Roblox edita o seu avatar diariamente. Os NFTs de moda são, por isso, dos itens mais desejados, e fenómenos globais de jogo como o Roblox e Fortnite são o foco da indústria do luxo. Os exemplos de griffes que apostam nestas plataformas repetem-se, como é o caso da Balenciaga, que criou um jogo unicamente para apresentar a sua colecção e, em resultado, fechou uma parceria com o Fortnite para vender roupas aos seus personagens. No Roblox, o espaço Gucci Garden vende as criações únicas da marca.

As empresas estão mesmo a criar equipas para se dedicarem em exclusivo ao universo virtual, e a Tommy Hilfiger anunciou uma parceria com uma agência de marketing viral para se concentrar no “v-commerce”.

O CEO do grupo Kering, François-Henri Pinault, citado pela Fashion Network, reconhece o entusiasmo da indústria: “Ao invés de estarmos no wait and see, que é muitas vezes a postura das empresas de luxo, estamos no test and learn”.

E foi também esta a atitude que as grandes marcas de luxo revelaram ao aderirem em massa à primeira edição da Fashion Week no Metaverso, que aconteceu no final de Março. Depois das passerelles de Nova Iorque, Londres, Milão e Paris, em 2022 as mais conceituadas griffes de moda desfilaram as suas criações no universo virtual, através da plataforma Decentraland.

A Metaverse Fashion Week reuniu mais de 60 marcas, artistas e designers, num evento que mostrou desfiles de looks digitais em avatares, palestras, activações imersivas, festas, lançamentos de NFTs e lojas pop-up, que tanto vendiam artigos digitais como físicos. Na plateia estavam mais de 108 mil utilizadores únicos, também na sua versão avatar, que assistiam aos desfiles e faziam compras numa área inspirada na luxuosa Avenue Montaigne de Paris.

DOLCE & GABBANA

A incursão do luxo no digital tem também influenciado as semanas de moda tradicionais, que estão a adicionar elementos imersivos ou de realidade aumentada à experiência da passerelle. A estreia de uma linha de prêt-à-porter puramente digital da inovadora Auroboros na London Fashion Week deste ano é um exemplo dessa tendência. Outro ainda, na Semana de Moda de Nova Iorque, foi a apresentação da colecção de wearables digitais de Jonathan Simkhai na plataforma Second Life, um dia antes das versões físicas, num desfile com 11 looks do designer reinventados para o metaverso. Entre os convidados VIP do evento estavam modelos, influenciadores, celebridades e jornalistas especializados — todos com os seus avatares personalizados com peças do estilista.

ADIDAS PRADA

É pouco provável que a moda passe a ser feita de píxeis (em vez de tecidos e outros materiais), mas o futuro da indústria do luxo passa também pelo mundo virtual. Além de abrir novos horizontes para o negócio, o digital proporciona experiências totalmente diferentes e inovadoras ao consumidor.

Por Companhia das Cores

A Turbilhão é uma revista semestral, especializada na área da Alta Relojoaria e do Luxo.