A relação entre o tempo e o som existiu desde sempre. Dar horas é fazer soar. Sem mostradores, os primeiros relógios só batiam horas, não as mostravam. De noite, sabia-se as horas fazendo “repetir” com som horas, quartos e minutos. Sem uso prático, as complicações sonoras são, no entanto, das complicações mais valorizadas. Todo um mundo de poesia desperta quando se ouve a voz do tempo…

Documentado, o primeiro relógio mecânico no país é o da Sé de Lisboa, em 1377. Não teria mostrador. E bateria, através de sinos, as horas canónicas, não civis.

Frei João da Comenda, franciscano, é o primeiro relojoeiro nacional de que há notícia – por volta de 1478 fez vários relógios, o primeiro para Orgens, Viseu. Todos sem mostrador.

Bulgari Daniel Roth Carrilhão Turbilhão
Bulgari Daniel Roth Carrilhão Turbilhão

Em 1628, o governo de Filipe IV recebia do senado de Lisboa uma petição onde se pedia para o relógio da Sé “um mostrador para se verem as horas, o que é em benefício público”. Ou seja, o relógio da Sé esteve pelo menos 250 anos sem mostrador.

Breguet Classique Revéil Musical em ouro branco
Breguet Classique Revéil Musical em ouro branco

Bater horas é o mesmo que “dar” ou “tocar”. Virá do francês frapper ou do inglês strike, e tem a sua origem no facto de os relógios primitivos, sem mostrador, “baterem” as horas num sino, quando o Tempo era mais para ser ouvido que visto.

Sem electricidade, como é que, a meio da noite alguém poderia saber que horas eram? Ou esperava pelo toque do sino do relógio mais próximo ou… tinha o seu próprio sistema sonoro para assinalar as horas.

IWC Portuguesa Repetição de Minutos
IWC Portuguesa Repetição de Minutos

Surgem as chamadas sonneries. Num relógio fixo ou portátil, trata-se de dispositivo que soa a pedido ou automaticamente, para indicar a hora ou despertar. Em Corte na Aldeia, de 1619, Rodrigues Lobo escreve: “…aconteceu há muitos anos a um cortesão que aqui vivia, que tendo uns amores humildes, que tratava com muito segredo, tinha um relógio de peito que trazia tão esperto e bem temperado que fazia horas quase a todas as moradoras deste lugar.

Desatentou, e, estando com ele ao pescoço uma noite em casa da delinquente, deu o relógio meia-noite: e às escuras manifestou a toda a vizinhança a verdade que até então escondera dos olhos e suspeitas de todos”. Tratava-se de uma sonnerie e, estando “bem temperado”, queria dizer que funcionaria bem, se atentarmos apenas ao significado em relojoaria e não à ironia do autor…

Ulysse Nardin Imperial Blue Grande Sonnerie Carrilhão Westminster
Ulysse Nardin Imperial Blue Grande Sonnerie Carrilhão Westminster

A miniaturização das chamadas complicações sonoras fez com que elas pudessem, a dada altura, passar das torres para as salas, destas para os bolsos, e destes para os pulsos.  “Um homem cultivado repete a história do mundo quando faz o seu relógio repetir o tempo”.

A frase, do físico e escritor alemão Georg Christoph Lichtenberg (1742 – 1799) está escrita na Universidade de Göttingen, na Baixa Saxónia. Em Paris, por essa altura, o suíço Abraham-Louis Breguet fazia contribuições importantes para o relógio Repetição Minutos. Mas a técnica já há algum tempo que era conhecida.

O Rei Jaime II de Inglaterra teve que dirimir, em 1687, um conflito sobre quem tinha inventado o mecanismo de repetição – se o relojoeiro Daniel Quare ou o clérigo Edward Barlow, este último com a ajuda do relojoeiro Thomas Tompion. O monarca decidiu por Quare. O Repetição Minutos surge por volta de 1750, com Thomas Mudge. A partir daí, foi uma questão de miniaturização. Até hoje.

Ulysse Nardin Hourstriker Tiger Jaquemart
Ulysse Nardin Hourstriker Tiger Jaquemart

Num mundo cada vez mais electrónico, sejam simples alarmes ou repetições minutos, grandes ou pequenas sonneries, carrilhões ou autómatos Jaquemart, accionadas à passagem ou a pedido, as complicações sonoras continuam a fascinar pela sua pureza mecânica.

E por um savoir-faire apenas ao alcance de um pequeno número de manufacturas. É rara, a voz do tempo.

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