Ao longo de 110 anos, a evolução do automóvel tem sido permanente e cada vez mais acelerada. No entanto, se a nível tecnológico, aqueles que eram os sonhos de outrora hoje são uma realidade, no plano do desenho, muitos dos ícones da actualidade são odes ao passado.
Fruto de desejo, objecto de paixão e matéria de devoção, o automóvel deixou, há muito tempo, de ser apenas um facilitador da mobilidade para se tornar uma extrapolação da personalidade, do gosto e do estilo de vida. Longe da primeira patente, a charrete a motor de Karl Benz, datada de 1886, e até mesmo do primeiro modelo de produção em massa, o Ford Model T, o carro é hoje uma inequívoca afirmação do ser.
Passou a sê-lo quando, asseguradas as características de funcionalidade, o foco passou a estar na diferenciação, quer através de um design marcante, quer por via das excepcionais performances, exacerbadas nas emblemáticas pistas. É assim desde a época vintage, altura em que o motor posicionado na dianteira se generalizou e as linhas dos veículos deixaram de ser rectas e começam a ganhar movimento, acompanhando as rodas e recriando o tejadilho e o capô. Exponente da mudança de época, o Austin 7 assumiu-se como um ícone de estilo, com um design que muitas insígnias tentaram, até ao início dos anos 30, replicar. É também na década de 1920 que a propulsão conhece novos patamares. Verdadeiro desportivo, o Bentley Blower elevou a fasquia ao introduzir o turbo compressor, brilhando nas pistas graças aos seus impressionantes 240 cavalos, que o impulsionaram ao estabelecimento de um recorde de velocidade de 220 km/h.
Com as performances a assumirem-se, cada vez mais, como uma preocupação, em 1934 é lançado o Tatra 77, o primeiro carro de produção em série com design aerodinâmico. Reinterpretação dos novos standards, em 1936, o Bugatti Type 57SC Atlantic Coup conhece a luz do dia. Dotado de um corpo musculado e cuidadosamente aprimorado, torna-se rapidamente um ícone de estilo pela sua imagem requintada e luxuosa, acompanhando a tendência de desenho de cauda fina.
O design automóvel é cíclico e, não obstante a inovação tecnológica, é comum encontrarmos referências ao passado
O período da guerra trouxe-se consigo um abrandamento na indústria automóvel e uma mutação sócio-económica que se fez reflectir num design automóvel totalmente disruptivo. É nesta era que se populariza o estilo “pontoon”, ou envelope, cujos elementos, pontificados no Mercedes-Benz 180, podem ser encontrados em modelos até à década de 1960. Os anos 50 trazem, no entanto, uma maior complexidade no design, com paralelo numa maior diversidade de motorizações, associadas ao desenvolvimento da aviação. As carroçarias alongam-se, os motores V8 popularizam-se e as estradas enchem-se de exemplos do melhor estilo americano. São os anos de ouro e o automóvel é um reflexo do estatuto. Modelos como o Cadillac Eldorado Brougham ou o Chevrolet Bel Air permanecem na história como epítomes desses tempos.
Perante a generalização do automóvel e a proliferação de marcas e modelos, criar um design épico transformou-se numa missão de todos os departamentos de desenvolvimento. A era moderna tem-nos apresentado automóveis para todos os gostos e…bolsos, numa lógica de que quanto mais inacessíveis são, mais icónicos se tornam. Com os designers a encontrarem inspiração em qualquer coisa, desde o espaço até à aerodinâmica, da moda à funcionalidade, nota-se um contínuo regresso aos símbolos do passado. Depois de o Jaguar E-Type devolver o protagonismo aos coupés, de a Porsche apresentar aquele que ainda hoje é a concretização do carro desportivo, o 911, e de o Lamborghini Miura impor um novo paradigma nos carros super-desportivos, os anos 80 e 90 reinterpretaram as linhas rectas. Colocando o foco nas performances, modelos como o Ferrari F40, o Nissan Skyline GTR ou o BMW M1 tornaram-se objectos de culto e ganharam uma legião de fãs.
A actualidade coloca de novo as atenções na aerodinâmica, com as linhas fluídas e arredondadas a serem protagonistas, enquanto, a nível mecânico, se regressa aos motores eléctricos e o antigo sonho do carro que se conduz sozinho parece próximo de se concretizar. Expoente desta tendência, o conceito comemorativo do centenário da BMW “Vision Next 100” – autónomo, eléctrico e com uma carroçaria adaptativa de “Geometria Viva” – ilumina o que será o futuro do automóvel.