Joël Andrianomearisoa e a Audemars Piguet têm na Arte uma paixão em comum. Premiado pela manufactura durante a ARCO Madrid, o artista passou por Lisboa para falar do seu trabalho.

Desde que foi fundada, em 1875, a Audemars Piguet tem vindo a explorar as pontes existentes entre as artes e a alta relojoaria com o objectivo de combinar a excelência artística com o seu próprio conhecimento das técnicas que aplica nas peças que produz. O apoio às artes tem-se dinamizado de forma substancial nos últimos anos com o envolvimento da marca de Le Brassus numa série de eventos de dimensão global. É o caso da Art Basel que desde 1970 age como um ponto de encontro da comunidade artística global no âmbito da arte moderna e contemporânea. Composto por 3 feiras, Basileia, Hong Kong e Miami, o evento mostra-nos a arte dos séculos XX e XXI sob uma perspectiva curatorial forte que tem vindo a atrair cada vez mais galerias, artistas e coleccionadores de todo o mundo.

Desde o seu primeiro envolvimento com a Art Basel, em 2013, a Audemars Piguet destacou e patrocinou artistas como o fotógrafo britânico Dan Holdsworth, os franceses Benjamin Moreau e Samuel Boutruche, o artista audiovisual austríaco Kurt Hentschläger, o compositor suíço Robin Meier, o francês Alexandre Joly, e, já em 2016, o chileno Sebastian Errazuriz e o chinês Sun Xun. Mas o envolvimento da marca com o mundo artístico não se esgota com a Art Basel. Para além de apoiar a Gallery Weekend Berlin e manter uma colaboração com a Zona Maco, a mais importante feira de arte contemporânea da América latina, o mecenato da manufactura alcança também a capital espanhola onde apoia a ARCO Madrid desde 2012, com a atribuição de um prémio de €15.000 à criação e produção de uma obra de arte. Este ano o vencedor foi Joël Andrianomearisoa, da galeria Sabrina Amrani.

O Labirinto das Paixões de Joël Andrianomearisoa

O “The Labyrinth of Passions” é um díptico composto por uma secção branca e o seu gémeo negro que permitem visualizar diferentes tipos de emoção. Ao atribuir o prémio ao trabalho de Andrianomearisoa, o júri valorizou a profundidade da mensagem que convida o público a reflectir na oposição entre luz intensa e obscuridade total que, sendo aparentemente noções opostas, podem na realidade ter origem nas mesmas forças. O júri destacou ainda o desejo do artista em apresentar um trabalho que “não é uma meditação melancólica sobre o amor e a perda, mas antes um reconhecimento poderoso da possibilidade de estar vivo, entre forças cruéis e brutais”. Com a curiosidade aguçada, a Turbilhão quis saber mais, pelo que aproveitou uma breve passagem por Lisboa do artista natural de Madagáscar para uma breve conversa.

Apesar de ser licenciado em arquitectura, Joël Andrianomearisoa nunca ambicionou a uma profissão específica. No entanto, hoje, tem consciência de que começou a sua vida adulta convencido de que o que desejava era criar formas. “A maioria das pessoas dizia que eu tinha de ir para uma escola de arte ou para uma escola de moda, mas quando cheguei a Paris, aos 18 anos, decidi que tinha de ir além e estudar algo que realmente não conhecesse. Algo mais ambicioso, que era a arquitectura, e onde encontrei o elemento certo. É através da arquitectura que trabalho efectivamente com as formas, com a sociedade, porque desenhar casas é pensar na sociedade, é lidar com história, com a cidade e um sem número de outras coisas”.

Foi durante os estudos que Joël começou a pensar numa nova forma de arquitectura, numa nova forma de arte. “Foi assim que cheguei à arte contemporânea, que não foi apenas uma mera opção. Fui eu que decidi o caminho que seguir”. Andrianomearisoa define-se como um artista que ama o mundo. Um termo que associa ao sentimentalismo e não apenas ao aspecto romântico. “Ser sentimentalista pode ser político, porque quando se tem poder há uma espécie de paixão nisso. Sentimental significa que se está envolvido e muito dedicado a algo. Gosto desta definição de sentimental, porque significa que estamos em todo o lado”.

Esta é a sua definição de ser artista. Uma ideia que está intimamente associada ao prazer que retira em explorar o conceito de sentimentalismo, de melancolia e mesmo de nostalgia na sua vertente mais emocional e sensível. “Por exemplo, o trabalho com que venci o prémio Audemars Piguet é isso mesmo. Estou a falar de paixão, vida, esta profunda e poderosa paixão, que também é muito física, como se estivesse dentro da obra”. Joël descreve o trabalho “Labirinto de Paixões” como uma espécie de grande livro cheio deste sentimento. “De um lado há o lado negro da paixão, do outro há o branco virgem da paixão. Mas na verdade, quando se entra, e esta é a questão, é uma história sem fim. Pode-se ficar perdido nela. É por isso que utilizo esta ideia de labirinto. Assim, está-se profundamente no interior da paixão. Depois, os materiais também são muito importantes, razão porque decidi usar este elemento muito estranho que é o papel de seda, que as pessoas usam quando estão a embrulhar coisas, e que é um outro ponto de contacto com a Audemars Piguet, com o luxo. Decidi usar este elemento simples para criar a ideia de paixão, de delicadeza, porque é muito frágil, mas quando se colocam todos juntos, torna-se muito forte. O trabalho questiona qual o significado do preto, do branco, da paixão, da falta de paixão, qual é o significado da vida e da morte, onde está o fim e o início. Só temos de nos perder nele, temos de entrar e senti-lo”.

Mas quando questionado sobre se todo este sentimentalismo é fácil de transmitir ao público, Joël mistura a certeza com a dúvida, “As emoções são sempre complicadas” afirma, “não estou a lutar, estou a tentar partilhar as minhas emoções, ou as emoções que quero criar, mas não consigo dizer se é fácil ou difícil. Acho que pode ser fácil, se as pessoas estiverem receptivas, se estiverem curiosas, de mente aberta, emotivas e sensíveis. As emoções também podem ser assustadoras, porque pode-se enlouquecer com elas. Mas este também é o momento mais interessante, é o momento de que gosto, este momento frágil em que não se sabe se o trabalho vai morrer, vai matar alguém ou se vai ser amado”.

A inspiração de Joël Andrianomearisoa não tem uma origem concreta, mas emana de tudo o que o rodeia. “Quando dou uma entrevista digo sempre que a inspiração é o sabor do chá que estou a tomar neste momento, do peixe que saboreei há uma hora, o cheiro que encontrei numa loja, o último livro que li… apenas para dizer que é absolutamente tudo. E mais uma vez, regressando às emoções, a emoção pode ser tudo, pode ser um corpo, um toque, um cheiro, um livro, uma palavra, uma cor, o céu…” Mas apesar desta abrangência, é a atmosfera urbana da cidade que mais o estimula. “Se olharmos para uma cidade, com os seus edifícios, pessoas, acidentes e alegrias, dor e lágrimas, lojas lindas e lugares sujos, pessoas loucas e amáveis, ela tem de tudo. Esta é exactamente a dualidade que identifico no meu trabalho e também na minha vida”.

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Carlos escreve como freelancer para diversas publicações nacionais e internacionais sobre o tema que sempre o fascinou, a alta-relojoaria. Uma área que considera ser uma porta para um mundo muito mais vasto, multidisciplinar e abrangente - uma fonte de informação cientifica, histórica e social quase inesgotável sobre quem somos e como aqui chegamos.