Uma simples e efémera viagem é suficiente para descobrir várias aguardentes a abençoar o país de norte a sul. Ainda assim, é no extremo noroeste do distrito de Lisboa onde podemos encontrar um dos segredos de maior singularidade nacional.
No que respeita a aguardentes vínicas com origem em regiões dedicadas à sua produção, só existem três no mundo, e uma delas fica na Lourinhã. Nesta vila, a 60 km de Lisboa, a fresca aragem do mar abraça a argila e o calcário que alimentam as baixas encostas da região. Nesta área agrícola, onde o mar, campo e a própria história se entrelaçam, reúnem-se as condições perfeitas à produção de uma aguardente vínica inigualável; e quem leva a Lourinhã a competir com as francesas Cognac e Armagnac são a Adega Cooperativa da Lourinhã e a Quinta do Rol.
O DOC (Denominação de Origem Controlada) Lourinhã é o fruto delicado de mais de 200 anos de história, os quais nos fazem recuar ao período das invasões francesas no Portugal do século XIX. Quem atesta é Vasco D’Avillez, presidente da Comissão Vitivinícola Regional de Lisboa, ao jornal Observador. Após o conflito, foram inúmeros os franceses a empenharem-se no cultivo e destilação de vinho em solo português, conforme já praticado em França. No entanto, é necessário avançarmos até 1992 para que seja reconhecida, em Diário da República, a Região Demarcada da Lourinhã; a primeira, e única região do país dedicada exclusivamente à produção de aguardentes de comprovada qualidade superior, de acordo com estudos da Estação Vitivinícola de Dois Portos.
O selo DOC testemunha tanto o rigor das minuciosas técnicas tradicionais do terroir, como das práticas enológicas autorizadas para a vinificação. A vindima deve ser manual, e o seu vinho de baixo teor alcoólico – não acima dos 10% – e elevada acidez; em relação a castas, é imprescindível estas serem brancas ou tintas, e ainda que exista uma longa lista de espécies autorizadas, as mais populares são Tália e Castelão. Ademais, a vinificação não pode fazer uso de anidrido sulfuroso, o que implica o uso de uvas em perfeitas condições, de modo a não amplificar quaisquer defeitos da fruta.
A destilação é feita num sistema contínuo em coluna de cobre, podendo atingir um teor alcoólico entre os 74 e 77%. Após esta fase, a aguardente passa por um período obrigatório de envelhecimento de pelo menos dois anos, embora a maior parte ultrapasse largamente este intervalo. O processo é realizado exclusivamente em barris de carvalho e com capacidade até 800 litros. Algumas adegas ajustam, inclusive, a nacionalidade do carvalho e mesmo a queima no interior do barril, entre ligeira, média ou forte. O desfecho é uma aguardente pura e livre de corantes, mas a jornada não termina aqui. A rotulagem, à semelhança de todo o desenvolvimento, é manual e personalizada, pelo que ao saborear uma aguardente DOC Lourinhã está a experienciar não só toda a tradição centenária de uma região, mas uma genuína e artesanal obra de arte.
Ao eleger uma aguardente devemos ainda considerar o tempo de estágio da mesma, pois a cor, suavidade e aroma estão sujeitas ao envelhecimento. A classificação desta fase pode dar-se de três formas: VS, ou Very Superior, de um período de envelhecimento igual ou superior a dois anos; VSOP, ou Very Superior Old Pale, quando referente a um período de pelo menos quatro anos; e XO, ou Extra Old, onde a aguardente se encontra envelhecida por um mínimo de cinco anos. Findado todo este percurso, desde a vindima até à garrafa, estamos perante um artigo rico em expressão e personalidade, uma obra complexa, restrita e sem precedentes no resto do mundo.